Por Manuela Roque
O primeiro dia do painel realizado pela turma de Crítica de Mídia do 3º Ano do curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), intitulado “Diálogos e críticas: hábitos e práticas culturais nos Campos Gerais (PR)”, aconteceu nesta segunda (21), às 19h. O evento contou com a participação de cinco convidados para discutir a produção de crítica em mídia e cultura no cenário atual dos Campos Gerais.
A publicitária e técnica em gastronomia Luise Macedo foi a primeira painelista da noite. A partir de seus estudos na área, ela lista quatro pilares para a elaboração de uma crítica gastronômica: cozinha, serviço, ambiente e preço. “Quando você tem o intuito de fazer uma crítica sobre um restaurante, um bar, uma comida de feira, você precisa encarar a comida como uma experiência gastronômica, que vai muito além do prato que vai ser servido”, explica. Segundo Luise, a apresentação da comida, o cheiro, o gosto, o atendimento no restaurante, sua ambientação e o custo benefício no final são critérios essenciais na hora de elaborar um texto crítico.
No caso da pandemia, ela ressalta a importância da avaliação do delivery, da embalagem, da plataforma que o cliente faz o pedido, das redes sociais do estabelecimento serem atualizadas ou não e do contato fácil com o cliente. “O crítico também pode reparar na demora do pedido, se o restaurante entrou em contato para falar do atraso, avaliar a plataforma online, como ela é visualmente, se é organizada e intuitiva, com detalhes nas descrições do cardápio e fotos semelhantes ao produto entregue, se o restaurante tem plataforma própria de pedidos ou não, pois tudo isso conta”, completa.
Luise comenta que Ponta Grossa ainda não possui profissionais especializados em crítica gastronômica, mas com a popularização das avaliações de estabelecimentos em aplicativos de delivery como Ifood, todo cliente se tornou capaz de fazer uma crítica. Ela reforça que comida boa não é sinônimo de comida cara, uma vez que gastronomia também é uma forma de expressão, e quanto maior o número de referências o crítico tiver, ou seja, conhecimento sobre ingredientes e misturas de sabores, maior qualidade terá o texto final. “A avaliação da comida é muito subjetiva, então o crítico precisa ter conhecimento prévio. Estabelecer critérios e ponderar o positivo e o negativo torna a crítica de maior qualidade. E a crítica nunca pode ser 100% negativa. Não devemos ser pessimistas e encarar ela como uma avaliação que pode derrubar um restaurante”, explica. Como recomendação para aqueles que quiserem entender mais sobre crítica gastronômica, a publicitária mencionou o livro “Mangiatto Bene? As sete regras para reconhecer a boa cozinha”, de Roberta Schira.
A segunda painelista da noite foi a jornalista Letícia Queiroz. Trabalhando atualmente com produções críticas de teatro, Letícia comenta que é essencial realizar uma boa pré-apuração antes de assistir qualquer apresentação teatral: “Se você não entende uma peça ou não capta o espetáculo, provavelmente é porque não sabe de quem é o texto, se a peça é uma releitura, quem montou, quem produziu, porque o elenco está com esse figurino, porque o som é baixo ou alto, porque a luz está de tal forma, porque o ator dá o texto olhando para o público e não para o parceiro de cena, e isso compromete seu texto. Tudo isso tem um porquê, tem motivo, e isso vira sua apuração e depois também seu repertório. E se você não entende essas relações você não consegue fazer uma boa crítica.”
Entre as dicas mencionadas pela jornalista, é possível citar chegar cedo no teatro, observar a fila, a movimentação no teatro, se a peça atrasa, se acontece algum problema técnico, e principalmente buscar assimilar o que o público está pensando: “Às vezes a peça está no público e na forma como ele reage, e se você não capta isso, você pode perder um dos principais elementos da crítica”, destaca. Ela também frisa a importância do crítico ser flexível para conseguir embarcar na história que a peça contará, pois a experiência como telespectador ajuda na hora de redigir um texto acessível para os leitores que podem não ter compreendido tão bem a proposta da apresentação. Por fim, Letícia define como uma obrigação do profissional realizar um trabalho de escavação dos grupos culturais e artistas da cidade, para que o teatro se torne cada vez mais consumido e, consequentemente, cada vez mais analisado criticamente.
Já Nisiane Madalozzo, terceira painelista da noite, trouxe perspectivas relacionadas à crítica cultural dos espaços públicos da cidade de Ponta Grossa. A arquiteta e pesquisadora de planejamento urbano introduziu aos estudantes o conceito de produção social do espaço, que estabelece que o espaço público é tanto condição, quanto meio e produto das relações sociais. Para Nisiane, o entendimento prévio deste conceito colabora para a produção crítica sobre espaços públicos: “É muito interessante quando a gente entende que aquele espaço não pode ser meramente um pano de fundo para onde acontece a vida humana, e sim um agente importante para sua relação com as pessoas”, afirma.
Na visão da painelista, é fundamental que o crítico entenda os estratos da sociedade, como classe, gênero, etnia e orientação sexual para a elaboração de suas produções, visto que as experiências sociais de cada uma das pessoas inseridas nesses estratos são diversas e suas percepções são individuais, mesmo compartilhando um único espaço público: “Pessoas diferentes percebem e atribuem valores diferentes a cada um desses espaços. E em Ponta Grossa é muito fácil desviar dos problemas sociais, porque muitas vezes eles não estão visíveis a olho nu nos espaços de maior fluxo do município. O principal problema então está em quem narra ter uma visão limitada do real. Não é dizer apenas aquilo que eu vejo, mas sim realmente procurar enxergar através de um prisma diferente do seu”.
O jornalista e coordenador do portal Net Esporte Clube, Emmanuel Fornazari, foi o quarto painelista da noite. A partir de suas falas sobre crítica de lazer, sociabilidade e esporte, Emmanuel relatou que hoje as transformações na cidade têm muito mais impacto imaginário do que antes, em decorrência do isolamento social: “Quando você sai de casa, você passa por um local que sofreu mudanças e lembra de forma mais marcante do que tinha ali antes. E esse fenômeno faz com que a gente perca representações históricas do nosso espaço público, importantes para a nossa sociabilidade e lazer”, relata. Ele observa as mesmas transformações acontecendo em espaços esportivos, mas a partir de uma visão mais otimista, como é o caso de estádios recebendo grandes investimentos para se tornarem arenas culturais que recebem shows musicais.
Emmanuel reforça que o esporte, o lazer e a cultura ainda são esferas da sociedade pouco valorizadas no dia a dia, uma realidade que, em sua opinião, poderia ser mudada através de incentivos das instituições: “Como você coloca esses gastos na tua vida? Cultura e lazer é essencial ou facultativo? É extra ou pode ser remanejado? Essas opções podem entender como cenários tão importantes social, política e economicamente são vistos de forma tão amadora pela população. É necessário que aqueles que têm o controle das leis, das entidades e das mídias proporcionem visões diferentes para que esses setores tenham destaque”. O jornalista ainda cita a dificuldade de produção crítica no contexto atual da pandemia, visto que as possibilidades de debates públicos estão restritas a ferramentas como bate-papos por mensagens e lives: “É muito importante para uma construção de uma crítica o barulho das pessoas comentando entre si, as discussões, o sentir o ritmo da conversa que te ajuda a pegar a intenção daquilo que a pessoa queria dizer. O online traz um aspecto de construção social falsa, porque você vê as pessoas pela tela fria do computador e isso não traz o calor necessário para o debate”.
Segundo Emmanuel, o jornalismo, na sua essência, é crítico, e a crítica jornalística deve ser abrangente e promover o debate em prol do desenvolvimento daquele objeto criticado. “Se o jornalismo tira a crítica, ele vira uma publicidade e perde seu conceito. A visão crítica no nosso dia a dia é muito importante para entender as mudanças do nosso cotidiano, porque não é possível pensar em sociabilidade, lazer e cultura sem a realização de críticas constantes que fazem esses conceitos evoluir”, finaliza.
O último painelista do evento foi o jornalista Ismael Freitas, responsável pela discussão sobre crítica de consumo e comportamento. Na perspectiva do jornalista, a isenção do profissional em suas produções traz mais prejuízos para a busca da verdade do que benefícios. Desta forma, ele entende que a crítica de consumo de bens culturais deve ser elaborada pensando no enriquecimento cultural daqueles que vão consumi-la, fugindo de produtos elaborados dentro de um padrão mercadológico.
Ele também destaca que o profissional deve saber diferenciar em sua crítica o que é consumismo e o que é consumo consciente porque, principalmente durante a pandemia, as pessoas estão mudando o que elas consomem ou estão se adaptando a novas perspectivas culturais daquilo que elas estavam acostumadas: “Como crítico, é importante compreender todas as facetas da cultura e do comportamento humano e se despir de estereótipos. As redes sociais durante o isolamento social estão influenciando completamente o processo de absorção de bens culturais. Tentar compreender o que é interessante, o que prevalece, o que cai em esquecimento, de onde vem e para onde estão migrando esses bens culturais é o mais importante”.
Ao final do debate, Ismael enfatizou a necessidade de análises do impacto de conteúdos produzidos em larga escala na realização de produções culturais locais: “É necessário compreender, antes de tudo, se esses produtos culturais estão sensibilizando a ação cidadã. Essa música serve para que do ponto de vista cidadão? Ela tem uma contribuição a dar? Esse filme diz o que para o meu processo de amadurecimento? Essa obra me passa alguma mensagem? Toda essa investigação é essencial para o jornalismo crítico”.
Programação
Hoje (22), também às 19h, ocorre o painel “Leituras pertinentes 2021! Dicas para uma crítica de mídia regional”, quel tem como proposta compartilhar experiências na área de produção de crítica jornalística, contando com a participação de profissionais formados pela instituição. A turma recebe como convidados Luana Nascimento (crítica musical), Stiven Souza (produção em rádio e TV), Ana Istschuk (crítica literária), Jeferson Augusto (mídia noticiosa em análise) e Pedro Miranda (crítica de cinema).
Após as apresentações, os participantes podem dialogar com os painelistas convidados e tirar suas dúvidas sobre os assuntos abordados. A transmissão do evento é feita ao vivo pela fanpage do Cultura Plural e da Agência de Jornalismo UEPG. A participação no encontro garante certificado de horas. A confirmação de presença será feita através de formulário divulgado durante o painel.