Por Nadine Sansana
Entrevista: Nadine Sansana
Edição: Jessica Grossi e Matheus Gaston
A entrevista com Mario Kreinski foi realizada em março de 2019 na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), pela estudante de Jornalismo Nadine Bianca Sansana, como parte da pesquisa de iniciação científica, em conjunto com o então mestrando em Jornalismo na UEPG, Felipe Adam, coorientador do projeto.
Kreinski, mais conhecido por Mario Encrenca, relata sobre a década de 1970. Foi técnico no rádio e na televisão, tanto em Ponta Grossa, como fora da cidade. Fez manutenção na maioria das rádios ponta-grossenses (na Central, na Clube, na Sant’Ana e, inclusive, na Alto Falantes). Atualmente, Mario Encrenca está aposentado.
Onde e quando começou a trabalhar?
Eu, Mario Kreinski, desde guri já era aficionado por rádio, eletricidade e tudo o que se pode imaginar. E naquele tempo de guri a coisa que mais se aproximava de mim era o rádio. Eu mexia naquelas radiolas de um metro, dois metros, umas válvulas enormes, com um chapelote de alta tensão e eu consertava, isso com 12 anos de idade. E a vizinhança falava que tinha consertador de rádio. Eu realmente levava choque, mas consertava.
Nessa trajetória comecei a pesquisar o rádio desde pequeno. Vocês não devem conhecer a palavra galena… Galena é o nome para uma pedrinha de cristaloide, cheia de chumbinho prateado, toda metalizada. Nós colocávamos um diodo, que é uma pecinha eletrônica, um semicondutor de cristal, que dá positivo e o negativo, daí a gente enrolava uma bobina de cobre em cima da pedrinha e com um fone nós ouvíamos rádio. Sem pilha, sem energia, sem antena, sem nada. Isso foi o começo pelo gosto da rádio. Nessa pedra de galena enrolada com um fio de cobre em cima, o semicondutor, ligada numa extremidade do fone e o outro na pedra, a bobina fazia o serviço de você ouvir rádio sem pilha, sem energia, sem nada. Pode fazer hoje, se perguntarem por aí vão achar a pedra de galena.
Conheci meu velho amigo e mestre também em rádio chamado Kitsula. Ele era o técnico da Rádio Clube. Vendo meu gosto por rádio, disse: “O que você acha, Mario, vamos lá comigo? Eu preciso de uma pessoa que me auxilie e você serve como auxiliar, assim você aprende mais um pouquinho”. O Kitsula tinha uma loja de venda de produtos eletrônicos, então ele sempre dava um apoio para mim nesse sentido. Eu fui, horas vagas de piá depois da escola, na oficina de rádio ou na oficina de manutenção da Rádio Clube. Desmontava gravadores antigos, os gravadores de acetato, aprendendo a cortar o acetato na agulha, que era um peso. Depois a pessoa falava lá e saía no disco, a propaganda era feita assim. Na época eu estava com 15 ou 16 anos, antes de ir para o Exército. Daí com essa idade eu comecei a fazer aquelas espécies de manutenção, dar uma ajuda.
Daí fui na Rádio Sant’Ana, fui na Rádio Central, fiz um pec de transmissão. Pec era uma placa de comutação, igual as telefonistas antigas, com aqueles cabos pra pegar o sinal de campo de um lado, do repórter de futebol e do outro uma linha de retorno pra ele saber que estava no ar. Não era a tecnologia de hoje. Era tudo feito nas linhas da telefônica da Telepar, antiga concessionária de telefonia. Então era chamada uma linha de TX e uma linha de RX. Uma era retorno e outra era transmissão e o carinha lá com o rádio, ouvindo. Era pura adrenalina fazer rádio.
Como foi o teu contato com o rádio?
A minha interação com o rádio foi tão grande e eu gostei tanto, que fiz manutenções na Rádio Central, na Rádio Clube e também na Rádio Alto Falantes. Praticamente remontei a Rede de Alto Falantes que hoje está lá no terminal [de ônibus]. Mas ela foi remontada antigamente pelo Ciderlei, que comprou do filho do Buch e depois o filho do Buch vendeu essa rede de alto-falantes para o Julio Sales Rosas, que ainda está vivo.
Daí dando atenção na Sant’Ana, na Central, na J2, a coisa foi evoluindo, até que eu fui para o Rio de Janeiro. Isso eu tinha 18 anos. Fui rejeitado no Exército, por ter um irmão gêmeo. Daí fui para o Rio de Janeiro e fiquei dois anos lá. Como tinha uma bagagem na parte técnica de rádio, trabalhei na parte técnica da TV Tupi, isso nos anos de ouro, lá na Urca no Rio de Janeiro e na TV Rio também. Trabalhei sempre na área técnica. Nunca perdi uma transmissão, uma gravação. Durante esse tempo foram dois, três anos fora de série. Contribuiu para que eu saísse do caminho da rádio e ingressasse na TV. Na TV, me dei tão bem que só fiquei um mês na Globo do Rio. Daí o tempo passou, meu pai tinha falecido aqui e o meu irmão [o segundo mais velho] disse para voltarmos para Ponta Grossa. Nessa época estava sendo feita a TV Esplanada aqui. Fui trabalhar na TV Esplanada e comecei a gostar de televisão. Tanto que fiquei na Esplanada por um bom tempo. Mas sempre dando uma atenção para as rádios.
A rádio em Ponta Grossa foi um grande acontecimento. Você saía pela rua, quando não era o rádio valvulado, quando era o rádio à pilha, todo mundo andava com o seu, igual andam com o celular hoje, todo mundo ouvindo rádio. E isso era gostoso também. Daí surgiu a Difusora com programas ao vivo. A rádio em Ponta Grossa uniu todos os gêneros e culturas que tinha na cidade. A rádio foi um elo de desenvolvimento, tanto no meio rural como no próprio centro antigo de Ponta Grossa. Você acordava cinco horas da manhã e ia dormir meia-noite com o rádio no ouvido. O rádio comandava a rotina, a política, a informação. Meio atrasado porque naquele tempo não existia a internet, não existia celular, malmente um telefone preto ou de parede que a pessoa telefonava e contava que tinha acontecido alguma coisa.
Qual é a função social do rádio?
Quanto ao serviço à comunidade, o rádio se prestava muito. Naqueles tempos, se pegasse fogo em uma casa, demorava um mês se organizava a comunidade e iam lá reconstruir a casa. E o rádio fazia isso: divulgação de festa, bailes, às vezes até transmitia. A pessoa tinha um telefone, eles entravam pelo telefone, com a gambiarra da maleta de transmissão. Essa mala de transmissão era uma caixa preta, com os volumes para sair na linha telefônica, com um pré-amplificador e um amplificador de linha, modificador de linha de telefone e transmitia o evento. Era feito tudo na raça, não como é feito hoje em dia. Na hora da campanha política, tinha gente que desligava o rádio, então onde tinha política a comunidade se dividia. E os debates em rádio eram violentos, não era assim na delicadeza não, tinha gente que saía pela janela da rádio. Isso quando a polícia não chegava na frente da rádio para ficar de plantão.
Os donos das rádios tinham tendências políticas?
Tinha uma briga feia nos tempos de Juca Hoffmann, que era de um lado e David Federmann, que era de outro. Eurico Batista Rosa de outro. Então, eleição para prefeito na cidade, tinha que sair de perto.
Qual a diferença das programações de antes para agora?
Se você ouvir hoje a Rádio Clube, desde as cinco horas até as oito, é o policial, o jornalismo, o que aconteceu, e sempre foi assim. Meio-dia na Rádio Clube, e outros também, entrava os apresentadores de notícia radiofônica, que era o Barros Júnior que parava a cidade. Com as poesias no meio. Tinha gente que ouvia as notícias, ouvia o policial e ouvia as poesias. Se você pegar um arquivo e ouvir, você fica maluco em como era feito o rádio. Era justamente por esta linha que a audiência vinha.
A audiência gostava mais de acompanhar a cobertura esportiva, a radionovela ou a música?
A novela era sagrada, igual hoje na TV, no mesmo horário era a novela radiofônica. Tinha uma equipe bem elencada de atores radiofônicos que faziam o papel. Até hoje tem pessoas que falam deles aqui. Das novelas, eles gravavam e ainda passavam no interior as cópias de disco. Os discos, tipo DVD hoje, era disco preto de acetato. Passava com o maior cuidado para ir para as outras rádios também passar. Então era um produto de consumo da própria rádio. Quando era futebol, era só duas rádios: a J2 com a sua cobertura e a Difusora, do outro lado. Demorou para a Central e a Sant’Ana entrarem no ramo esportivo. Mas até então, as outras dominavam a cobertura da área do esporte. Fosse aonde fosse, o Osíris Nadal estava lá, nos Estados Unidos, no Canadá, na Itália, fazendo a transmissão.
Quanto aos repórteres, tinha requisitos para serem contratados?
Naquele tempo não havia o requisito de ser jornalista, tanto que até hoje tem vários repórteres na Clube que não são precisamente repórter, jornalista e nem formados. Eles foram criados dentro da própria área e o Osíris Nadal sabia fazer essa ligação. O Chocolate foi um deles, até hoje está transmitindo cobertura de esporte. Mas o Osíris que comandava essa área foi um máximo. Nós devemos muito à cobertura do esporte nas rádios, justamente por causa do Osíris, da agilidade dele.
Como era a participação dos ouvintes no rádio?
A participação dos ouvintes era por um outro telefone que era passado para o repórter de pista, lá onde ele estava com aquela maleta de retorno da rede de transmissão, daí a rádio passava pra mandar um abraço pra tal pessoa. É como se fosse hoje o mesmo procedimento, só que de outra maneira, mais original e mais dinâmica. Então a pessoa não sabia o que iria falar. Hoje é mais coordenado o sistema de comunicação e as novas tecnologias implantadas no rádio. Mudou da água para o vinho, mas a graça ainda está no bom e velho rádio.
Como eram feitas as transmissões das coberturas esportivas?
A logística de transmissão esportiva quem fazia era o Osíris Nadal. As maletas de transmissão eram igual celular hoje em dia, quanto mais inovada, melhor. Primeiro surgiu a maleta de transmissão e recepção por linhas de telefone, daí surgiu as maletas com um microfone, depois com dois microfones e o esporte foi tomando uma dinâmica. Tinham quatro participantes, quatro microfones e tinha o repórter de campo passando a jogada de lá de dentro, analisando e recebendo. O negócio do repórter do campo era receber as informações da rádio e também notificar o que estava acontecendo, como é que tinha sido o lance e fazendo o ouvinte participar também da cobertura de futebol. A logística era essa, eles compravam um pacote de RX e TX que são as linhas, mas isso tinha que ser feito três ou quatro dias antes para a Telepar montar as linhas de recepção e transmissão. Eles iam com a maleta lá, daí tinha um botão que você apertava e conectava o fio, fazia o teste e já estava o ar. Não tinha nada de transmissão no ar, era tudo nessa linha. Era tudo por linha de transmissão de telefone.
O que o senhor acha da transição do AM para o FM?
Acho que o rádio perde bastante com essa migração do AM para o FM. Hoje se você fizer uma análise do rádio, diante da rádio digital, via internet e via as outras operadoras, a rádio AM já deixou de existir. Tem algumas que ainda sobrevivem, mas já deixou de existir e migraram todas para a FM. É uma exigência da Anatel, que as rádios AM estavam conflitando com a aviação, coisas da Anatel de segurança nacional e da aviação também. Agora estão quase todas FM. A TV se fizer uma análise, a TV aberta acabou, agora é tudo via satélite, via computador, via celular e via operadora. A televisão eu acho que está com os dias contados.
A série de entrevistas com profissionais que atuaram e atuam no rádio ponta-grossense é fruto do trabalho da estudante Nadine Sansana, orientada pelo professor Sérgio Gadini, pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Estadual de Ponta Grossa, vigente entre os anos de 2018 e 2019. Sob o título Memórias de vida e trabalho na mídia regional dos Campos Gerais do Paraná, o projeto contribui com o acervo memorialístico radiofônico da cidade, tendo em vista a ausência de arquivos, registros e documentos sobre a história do rádio em Ponta Grossa.