Por Nadine Sansana
Entrevista: Nadine Sansana
Edição: Jessica Grossi e Matheus Gaston
A entrevista com Joel Oliveira foi realizada em abril de 2019 na Rádio Difusora, em Ponta Grossa, pela estudante de graduação em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Nadine Bianca Sansana, como pesquisa de iniciação científica.
Natural de Ponta Grossa, Joel Brasília, como é conhecido, só começou a atuar nas rádios da cidade em 2005. Passou pela CBN, pela MZ, Difusora e T. Atualmente é apresentador, narrador e trabalha no departamento comercial da Rádio Lagoa Dourada.
Poderia falar rapidamente da tua trajetória profissional, onde e quando começou a trabalhar?
Eu sempre tive gosto pelo rádio e sempre sonhei em trabalhar no rádio. Meu pai era palmeirense e ele escutava os jogos na antiga Rádio Bandeirantes de São Paulo. Quando ele ia para a varanda no sábado ou domingo à tarde escutar os jogos do Palmeiras, a gente sentava do lado e ninguém podia conversar pra ele prestar atenção em tudo o que o locutor falava. Eu ficava escutando com ele atentamente. Aí pensei: um dia eu vou ser igual esse cara.
Aí vida vai, vida vem, e nem tudo é como a gente quer. Acabei trilhando outros caminhos: fui militar, fui para o Exército, fui cabo do Corpo de Bombeiros. No Corpo de Bombeiros eu fazia os boletins para as rádios. Pela manhã, anunciava a guarnição de serviço, as ocorrências. Eu fui pegando gosto. Aí o tempo foi passando e eu sempre busquei uma oportunidade dentro do rádio. Nunca consegui. Na época, as pessoas falavam que não tinha vaga, que era difícil e que não dava.
Foi passando o tempo, quando em 1990 a vida mudou. Fui montar uma pastelaria na praia, lá em Itapoá e comecei a trabalhar. Na época, abriu uma rádio comunitária na cidade. Fui lá na rádio e falei com o proprietário que era o Lemoni e ele me disse que tudo bem: “Eu te arrumo meia hora pra você fazer esporte aqui na rádio, mas eu não posso te pagar”. Eu falei que não precisava, só pedi que ele me desse a liberdade de eu anunciar o meu comércio e vender um outro cliente qualquer. Ele me disse que eu poderia vender quantos eu quisesse, mas ele não poderia me pagar. Eu falei que estava ótimo. Pois olha, em três meses eu faturava mais que ele, então virou uma febre na cidade o meu programa. Na época, o rádio era muito forte, as crianças se reuniam pra escutar o programa, os meninos que jogavam futebol. Aí apareceu a decisão do campeonato amador, que era um campeonato muito forte. Eles iam buscar jogador em Joinville, que é ali pertinho [de Itapoá] e tinha um time lá que se chamava Fortaleza, porque um rapaz que morou na cidade jogou no Fortaleza. O Fortaleza não tinha dinheiro para pagar ele totalmente e eu paguei um uniforme pra ele e mais seis uniformes completos do Fortaleza. Aí ele montou um time do Fortaleza com aqueles uniformes e fez uma parceria com os jogadores pra eles pagarem um pouco pra ele, pra ele não ficar totalmente no prejuízo. Aí ia acontecer a decisão do campeonato que juntava um número de pessoas muito grande e eu pensei: vou transmitir esse jogo. Porque eu gostava de brincar de fazer futebol, de narrar futebol. Cheguei no dono da rádio e propus pra gente narrar esse jogo. Ele falou: “Joel, é difícil. Quem vai narrar o jogo?” Eu falei: “Eu!” Ele não concordou e disse só se eu trouxesse uma pessoa de fora. Liguei para algumas pessoas e não consegui contratar o narrador pra fazer esse jogo. Aí um camarada que trabalhava dentro da rádio, chamava-se Max, tinha uma voz bonita, um vozeirão, ele falou assim: “Eu faço pra você”. Eu concordei, mas veja só que a dificuldade era tão grande que a rádio era num sobrado que tinha dois pavimentos e a rádio era no pavimento de cima. Nós não tínhamos equipamentos pra transmitir o jogo, o que a gente fez: arrumamos um cabo de microfone enorme, grande, pegamos lá da rádio e passamos por cima da rua, pelo poste, por cima da igreja, porque o campo era atrás da igreja e colocamos o microfone lá em cima de um caminhão. Aí pegamos uma mesa, fizemos a escalação, aquela coisa toda e o repórter junto. Quando chegou a hora de narrar o jogo, o cara não sabia narrar o jogo, ele não tinha noção. Porque às vezes a pessoa é um ótimo apresentador, um ótimo locutor noticiarista ou musical, mas pra narrar o jogo tem que ter todo um jeito, as palavras apropriadas e ele não conseguiu. O jogo virou um grande comentário. Aí os patrocinadores, que nós tínhamos vendido para o jogo, não quiseram pagar. Eu voltei em todos eles, nós tínhamos vendido dez patrocinadores para o jogo, eu voltei e falei assim: “Gente [porque era a primeira decisão, daí tinha a segunda decisão, porque era um jogo cá, outro lá], vai acontecer a decisão final e vocês não precisam pagar esse, mas vocês pagam a outra”. Daí eu cheguei e falei para o dono da emissora que eu ia narrar o jogo e ele perguntou se eu estava brincando, eu disse que não, que iria sim narrar o jogo. Ele disse: “Só vou dizer uma coisa pra você, qualquer coisa que saia errado, não precisa nem você aparecer aqui mais”. E eu concordei. Fui lá e fiz o jogo, narrei o jogo. Aí fui atrás dos patrocinadores: “Nossa que legal, cara! Eu não sabia que você sabia! Foi bom!” E começou ali a minha carreira, em 1990.
A rádio teve dificuldades e também vai ficando pequeno pra você. Aí eu fui para Paranaguá, trabalhar na [emissora] Litoral Sul. Lá, procurei espaço. Mas as pessoas queriam vender o horário. Aí eu vendi meu carro novo e paguei três meses adiantado para a rádio. Quando cheguei em casa a minha mulher queria que eu sumisse do mapa! Daí falei que daria certo. Fui trabalhando, trabalhando e quando chegou dois meses eu estava totalmente no vermelho. Com isso me questionei se daria conta. Quando chegou no terceiro mês, mais ou menos equilibrou, no quarto mês foi indo… Até que foi. Foram cinco anos em Paranaguá, daí fui para Curitiba onde trabalhei na Rádio Cidade, na Rádio Globo e na Independência. Em 2005 vim para Ponta Grossa.
Quando veio para Ponta Grossa, ocupava qual função no rádio? Tinha teu programa?
Sempre tive meu programa desde que comecei. Fui apresentador do programa esportivo e, depois, o narrador sempre. Eu sou ponta-grossense. No final de 2004, eu trabalhava na Rádio Independência, em Curitiba, que era uma rádio grande, uma das maiores da cidade. Em dezembro de 2004, o Fábio Camargo que era o diretor vendeu para a Canção Nova. Aí mandaram todo mundo embora. Pra você ter uma ideia, nós éramos em 18 só na equipe esportiva, mas foi todo mundo embora e eu fiquei desempregado. Recebi um telefonema do Roberto Mongroel que é o dono da CBN em Ponta Grossa, para trabalhar na CBN. Vim a Ponta Grossa ele me disse que não tinha dinheiro para me pagar, mas que a gente podia fazer uma parceria: o que a gente vender aqui você tem uma participação. Eu fiquei 11 anos ali. 11 anos de CBN, fizemos muito sucesso, trabalhamos muito. Trabalhei até 2016. Em 2017 e 2018 trabalhei na MZ e em dezembro o pessoal me convidou pra vir pra cá [Rádio Difusora]. Sou responsável pelo departamento de esportes da rádio e também trabalho no comercial, porque eu sempre tive essa afinidade em vender o produto.
Quais eram as condições de trabalho quando começou a trabalhar, quanto a equipamentos e estrutura?
Na época em que comecei a trabalhar no rádio os equipamentos eram muito precários, coisas totalmente improvisadas. Quando comecei era tudo por linha discada. Na época você tinha que pedir linha para a Telepar, às vezes eles instalavam, às vezes demoravam para instalar e tinha que estar em cima deles, às vezes chegava lá e caía a linha, ligava de volta, era uma dificuldade imensa. Hoje não. Hoje nós trabalhamos em um sistema totalmente digital. Nós aqui da rádio somos a única emissora de Ponta Grossa que tem o chamado tieline, que é um equipamento digital que você tem um no estúdio e outro lá, então você codifica, liga e ele já conecta.
De onde vinham as ideias de pautas?
Tem que sempre focar no local. Aqui em Ponta Grossa, claro, o prato principal é o Operário. Lá [em Itapoá], por exemplo, o principal era o campeonato amador. Então nós informávamos o campeonato amador, tinha o pessoal do surfe, do futebol de areia, vôlei de praia, do futevôlei, então a gente agregava todas aquelas matérias e ia pra lá divulgar, promover, chamar o povo e isso foi crescendo e chamando a atenção. Mesmo o cara que não era da cidade, que ia lá passar temporada, acessava a rádio pra ver se tinha algum campeonato de final de semana, alguma promoção. O cara de outra cidade acessava a rádio pra ver se tinha alguma coisa importante pra fazer lá e isso também foi crescendo.
Hoje em dia, a gente vê que os programas de notícias têm bastante ligação com o que sai no impresso. Muitas vezes a notícia do impresso é lida integralmente no rádio. Não tem aquela produção própria para rádio. As suas transmissões tinham alguma ligação com o impresso? Você fazia alguma releitura do impresso?
Eu já li. Mas eu procuro fazer. Antes, muita gente fazia isso. Em 1990, o camarada que era colunista esportivo passava na banca ler o jornal e chegava na rádio com um jornal debaixo do braço. Ou então, a rádio já tinha uma assinatura pra isso. Agora não, agora é diferente: você tem muitos contatos, as redes sociais te fornecem as informações. Aqui, por exemplo, nós temos três repórteres que buscam a informação, que falam ao vivo de lá. Então, hoje a coisa ficou muito mais fácil do que era. Antigamente era mais difícil. Até o plantão esportivo de antigamente você ligava de uma rádio pra perguntar quanto o jogo estava lá, porque não tinha internet. Não tinha a rádio na internet pra você ouvir, hoje tem até aplicativos que te dão em tempo real. A facilidade hoje é muito grande, naquela época era muito difícil.
O senhor tinha companheiros que te ajudavam a preparar a programação?
No início eu tinha um parceiro, que também gostava de rádio. Eu apresentava e ele trazia as informações. Quando comecei o programa lá na rádio, nunca tinha trabalhado numa rádio, só tinha feito boletins para uma rádio. Então aí o camarada chegou, terminou o programa e eu pensei que ele ia ficar operando a mesa ali pra mim. Só que ele terminou, deu boa tarde, e disse que em seguida começaria o programa esportivo e falou pra mim que eu poderia começar. A sorte minha que eu sempre procurei ser ligado com as coisas, então o que eu fiz: fui na mesa, vi onde fechava o microfone. No primeiro programa nós não usamos nenhuma vinheta, porque eu não sabia, não tinha nenhum controle. Só cheguei, abri o microfone e falei. Então aprendi meio na necessidade da coisa, não tive essa oportunidade de aprender. Depois, quando eu estava em Curitiba, fui dois anos na faculdade, mas não concluí. Fazia faculdade particular, tive dificuldades com dinheiro, era casado. Então acabei fazendo dois anos só. Agora em 2015, eu fui no Ministério do Trabalho e fiz o requerimento do meu MTE, que é o documento de jornalista, mas por profissão. Saiu em 2017. Eles mandam você levar um monte de documentos, os artigos que você fez, o que escreveu, blog muito acessado. Quando eu conheci a Ana [esposa], há 15 anos, eu não tinha vontade fazer uma faculdade. Ela se interessou pelo jornalismo e eu perdi a oportunidade de cursar junto com ela.
Na sua opinião, o rádio tem alguma função social?
Eu acho que o rádio ele é muito importante. Ele tem muitas funções sociais, por exemplo: quando eu era menino, você arrumava emprego pelo rádio, eram transmitidas as vagas de emprego que tinha, naquela época não era agência do trabalhador, era agência de emprego, então era uma função social extremamente importante e até hoje tem. Outra coisa, o camarada quer vender um produto porque tem uma necessidade de arrumar um dinheiro, ele vai lá [no rádio] pede pra alguém, vende, troca por outro, ele doa, às vezes, ele limpa o espaço dele e serve a quem precisa. Então o rádio ele é multissocial, tem várias formas de ver ele como função social.
O senhor veio para Ponta Grossa, em 2005, através do contato com o dono da CBN. Como foi esse contato?
Ele tinha a intenção de montar uma equipe esportiva na CBN Ponta Grossa. Como eu era daqui e algumas pessoas que trabalhavam aqui me conheciam lá de Curitiba, porque eu cheguei a fazer algumas narrativas para as rádios daqui. E como eu fiquei desempregado, ele [o dono] ficou sabendo e me ligou e nos acertamos.
O rádio não me deu dinheiro, eu me mantenho bem, mas nunca ganhei dinheiro. Poderia ter feito outras coisas que me dariam dinheiro, porque eu sou um grande vendedor, fiz mais de 30 cursos de marketing e isso faz com que eu venda hoje. Eu estou aqui hoje no grupo T justamente pelo meu lado profissional e também pelo meu lado comercial. Trabalhei desde os anos 1990 até 2018 terceirizado. Sempre dependi da minha venda. Fui o único cronista jornalista esportivo de Ponta Grossa que fez todos os jogos do Operário em todos os campeonatos que ele participou desde janeiro de 2005 e isso custa dinheiro. Fui em 2017 na série D do campeonato brasileiro. Teve jogo que eu fui sozinho, só estava eu de imprensa lá. Desde que cheguei em Ponta Grossa, sempre houve uma pesquisa, agora não tem mais, até acabou, foi uma coisa que as entidades sociais faziam. Elas faziam uma pesquisa pra ver quem se destacava em determinada função e eu sempre ganhei todos na minha área. Às vezes é uma coisa que nem vale, mas a gente se sente bem e pra mim é um orgulho.
Como foi a tua experiência na transição do AM para o FM? Como você percebeu a aceitação dos profissionais da rádio e do público com essa mudança?
Comecei numa rádio FM comunitária lá em Itapoá. Depois fui para Paranaguá, também FM. Depois quando fui pra Curitiba, eu trabalhei em uma rádio AM. A rádio AM tem algumas dificuldades e foi ganhando dificuldades ao longo do tempo porque foram aparecendo celulares e outros fatores que acabaram interferindo no sinal dela e foi perdendo a força. Muitos lugares tinha dificuldade de pegar, tinha muita chiadeira. No começo dela, ela era muito forte porque não tinha essas interferências, tanto é que nós sintonizávamos a rádio de São Paulo, as pessoas sintonizavam rádio do Rio de Janeiro com a maior facilidade. Na minha infância era assim, a gente sintonizava com a maior facilidade porque não tinha interferência, mas depois as interferências vieram, a rádio AM foi perdendo a força. Outra coisa, o consumidor, o ouvinte, ele vai ficando mais exigente, então ele quer mais qualidade. Daí veio a FM, com mais qualidade. Até dizem que na Europa, nos países desenvolvidos é tudo digital mesmo e o FM já é coisa do passado em alguns lugares. Mas foi uma boa, uma evolução bacana, claro que muitas coisas ainda estão em adaptação. Porque muita gente veio do AM, onde vendia os comerciais muito baratos e ele veio competir com as rádios FM que já estavam em um patamar mais alto. Aumentou também a concorrência. Eu acho que aqui em Ponta Grossa quem mais perdeu com essa mudança foi a rádio Clube, porque ela tinha um ouvinte bem antigo que adorava aquilo, então se perdeu um pouco. Claro que vai se adaptando e vai melhorando, mas tem o período de adaptação.
Apesar de toda essa evolução, de toda a tecnologia, o rádio sobreviveu. Quando veio a televisão, todo mundo dizia que o rádio não sobreviveria, mas ele sobreviveu. Agora veio as redes sociais e o rádio sobreviveu. Ele se adaptou à tecnologia. Hoje nós aqui estamos em todas as plataformas. Então o rádio se adaptou e você tem que somar ele à tecnologia. Por exemplo, a própria televisão que sentiu uma diferença com as redes sociais, porque hoje você pega o celular e faz uma matéria e solta na rede social. Agora, o rádio você alia o som com a imagem, então ele se adaptou. E nós temos procurado a todo momento fazer com que ele se associe a essa tecnologia. Antigamente tinha a rádio AM que tinha aquelas frequências que se trocava a faixa de onda, hoje com a internet você tem acesso a qualquer emissora, de qualquer parte do mundo. Então, o rádio se associou a tecnologia e por isso eu acredito que nunca vai acabar. Por exemplo, você está na estrada dirigindo, não tem como você assistir a um filme, mas o rádio está ali, você está escutando uma boa música, escutando uma informação.
A série de entrevistas com profissionais que atuaram e atuam no rádio ponta-grossense é fruto do trabalho da estudante Nadine Sansana, orientada pelo professor Sérgio Gadini, pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Estadual de Ponta Grossa, vigente entre os anos de 2018 e 2019. Sob o título Memórias de vida e trabalho na mídia regional dos Campos Gerais do Paraná, o projeto contribui com o acervo memorialístico radiofônico da cidade, tendo em vista a ausência de arquivos, registros e documentos sobre a história do rádio em Ponta Grossa.