Por Nadine Sansana
Entrevista: Nadine Sansana
Edição: Jessica Grossi e Matheus Gaston
A entrevista com o radialista José Erondi Milléo foi realizada em abril de 2019, na Rádio Sant’Ana, pela estudante de graduação em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Nadine Sansana, como parte da sua pesquisa de iniciação científica.
Erondi Milléo nasceu em 1947 em Piraí do Sul, no Paraná. Iniciou seus trabalhos no rádio com 16 anos. Passou por Santa Catarina, São Paulo e algumas cidades do Paraná, especialmente Ponta Grossa. Atualmente, Milléo apresenta três programas na Rádio Sant’Ana.
Como foi o seu primeiro contato com o rádio? Poderia me falar rapidamente da trajetória profissional, onde e quando começou a trabalhar?
Eu tinha uma paixão pelo rádio, porque eu acompanhava na época as emissoras de São Paulo e Rio de Janeiro. Eu gostava muito do jornalismo, acompanhava os famosos apresentadores dos jornais falados, porque no rádio a gente denomina radiojornalismo, quem faz jornalismo são os jornais, agora no rádio, nós unimos o rádio com o jornalismo. Comecei em Piraí do Sul em 1963, eu tinha 16 anos, fazia programas populares e na época não existia um jornalismo dinâmico como existe hoje e as condições eram muito precárias. Nós tínhamos que pegar um gravadorzinho, ficar com ele em frente ao rádio e pegar algumas informações e daí passava para os ouvintes. Não existia jornal na cidade, que era pequena na época. Tínhamos uma emissora que era veterana, acredito que era uma das principais emissoras do Paraná na época. Era uma boa rádio, tinha entretenimento para as pessoas que não tinham televisão.
Mas eu fui me apegando ao jornalismo porque eu ouvia algumas notícias, passava algumas informações. O cinema era o forte, no cinema tinha um documentário que passava antes dos filmes e aqueles documentários mostravam algumas coisas relacionadas às informações do Brasil e do mundo. Eu dei dois furos de reportagem na época, foi uma coisa que eu gravei até hoje na minha memória, porque a nossa memória é um baita de um computador. Foi uma notícia triste, que pra mim foi um furo pelas condições precárias que nós tínhamos. Eu consegui gravar, como expliquei, e passar a notícia para os ouvintes. Na época mexeu com o Brasil todo e com o mundo todo, que em novembro foi o assassinato do presidente dos Estados Unidos, John Kennedy. Em Dallas, atiraram nele e eu consegui a notícia através do Repórter Esso, equivalente ao que hoje é o Jornal Nacional, da Globo. Não é que eu fiquei feliz com o que aconteceu, ninguém poderia ficar, mas é porque eu consegui, com a precariedade que eu tinha no meu trabalho, de passar aquela informação. E a outra foi as notícias que foram circulando e em 1964 eu acompanhei todo aquele processo que dizem que foi ditadura, mas não foi ditadura, foi golpe militar. Mas a gente trabalhava naquela época e foi acompanhando e divulgando as informações.
Passados alguns anos e que não demorou muito, eu vim para Ponta Grossa, porque nós éramos uma família numerosa e viemos em busca de melhores dias, e aqui também não era fácil, apesar de ser uma cidade um pouco maior, tudo era muito complicado. Mas eu tive oportunidades, por exemplo, consegui entrar no rádio, batendo em emissoras que já tínhamos aqui: J2, Difusora, Central, fui batendo de porta em porta, mas não tinha trabalho, porque o pessoal que estava lá não largava, porque o trabalho era complicado. Mas eu tinha uma paixão pelo rádio e sempre acreditei que um dia eu chegaria lá. Até que um dia surgiu uma oportunidade de eu ir para a Rádio Sant’Ana. O que eu comecei a fazer aqui na Rádio Sant’Ana: comecei a fazer jornalismo. Eu não era jornalista. Não era porque não tinha uma faculdade de Jornalismo. Tinha em Curitiba, mas as dificuldades financeiras eram grandes, se eu precisava de emprego, de onde eu ia arrumar dinheiro, vindo de uma família pobre, estudar em Curitiba? Mas eu aprendi o jornalismo na prática. Comecei a trabalhar aqui [na Rádio Sant’Ana] e foram me passando trabalhos. Como o amor é grande por aquilo que você denomina vocação, que é aquilo que está no teu sangue, fui fazendo o meu trabalho e fui aprendendo a ser repórter, a redigir. Passei por Ponta Grossa por dois respeitáveis estabelecimentos de ensino que é o Regente Feijó e o São Luis. Me formei no Sepam em contabilidade; não existia o Jornalismo. E na rádio continuei fazendo o meu trabalho, porque era a minha paixão. Na época, o jornalismo tornou-se bastante dinâmico.
Mas daí as coisas foram surgindo com o tempo e o que aconteceu: saí de Ponta Grossa por um tempo e fui trabalhar em União da Vitória. Aqui em Ponta Grossa, trabalhei na Rádio Central do Paraná, fiz um pouco de jornalismo, fui diretor da rádio. Trabalhei 11 anos em São Bento do Sul em Santa Catarina. Trabalhei também em Itaporanga, no interior de São Paulo. Trabalhei em Mangueirinha.
Sou locutor há 56 anos. Mas também já fui repórter, fazia entrevistas. Sou sincero falar pra você, isso foi muito bom, porque fazia contato com as pessoas, você se torna conhecido, mas não por vaidade, é porque você gosta. Você sente que está sendo útil, está passando informações. Não pense nessa profissão, se você entrar nela, que você vai ganhar dinheiro. Não vai. Tem o teu salário, claro. Aproveitei a época da juventude, agora estou aposentado aqui na Rádio Sant’Ana. Aqui eu faço freelancer. É difícil, depois que você entra neste campo de trabalho, no rádio, no jornal, você fica gostando.
Eu acho que hoje em dia falta muito o trabalho de reportagem, de ir fazer entrevistas com as pessoas. O trabalho de repórter, que era policial, eu fazia e amava isso. Mesmo na época dos militares, que a exigência era muito grande, a gente precisava saber até o que perguntar, mas eu fazia com o maior prazer, sempre era muito bem recebido.
Nas questões técnicas, quais eram as dificuldades que tinham quando começou a trabalhar no rádio para agora? Digo na questão de equipamentos.
Em questão de equipamento, os gravadorzinhos eram a pilha. Às vezes você estava entrevistando alguém e a pilha ia fraquejando, daí a entrevista não saía boa. Tinha os gravadorzinhos que tinham fitas, de repente a fita escapava e você perdia as reportagens. Não tínhamos condições de trabalho. Na época os diretores de rádio diziam pra ir lá e fazer, não davam condições. Mas eu dava um jeito e fazia. Pense que difícil que era porque hoje nós temos a internet e antes não tinha. Na época existia telex, onde passava a folha e você ia lendo aquela folha de notícias que eles captavam. Mas era muito escasso, você tinha que ir atrás da notícia.
No setor policial eu ia ali próximo a catedral, que era a delegacia de polícia. Você chegava e os policiais te passavam o chamado livro capa preta. Daí você pegava aquilo que podia e interessava e depois passava para a máquina de escrever. Tinha a máquina Hermes, pequenininha, não tinha computador. Era difícil. Às vezes tinha que colocar o carbono e às vezes tinha dois ou três apresentadores e acabava se equivocando na pressa pra começar o jornal e colocava o papel carbono do lado avesso e não saía nada. Então era muito complicado. No setor policial que a gente ia, alguns atendiam a gente bem, outros não. Era muito difícil, você tinha que entrar com muito cuidado. E depois que veio o golpe militar você tinha que colocar a fonte ali, com o nome, data de nascimento e RG. E eu gostava porque eu gosto das coisas disciplinadas. Tinha que ter também 90 dias de arquivo. Você tirava os papéis porque, às vezes, tinha fiscalização. Hoje já nem arquiva muito porque hoje tem internet.
Quando fui para União da Vitória eu tinha 19 anos, porque a rádio de lá pertencia a nossa. Era uma rede: Sant’Ana Rádio Educadora de União da Vitória. O radialista é como um artista. Antes se dava um valor muito grande para o radialista, hoje o jovem não está muito ligado nessas coisas por causa das redes sociais, mudou tudo. Antes parece que você sabia que estava sendo ouvido, hoje precisa das pesquisas. Mas fazendo um comparativo ontem [antigamente] e hoje [atualmente] sobre as dificuldades de antes e as coisas fáceis de hoje, é diferente, mas pra mim foi mais gostoso o que ficou pra trás. Não que eu não goste do hoje, porque eu continuo ouvindo o rádio. Eu tenho três programas da Rádio Sant’Ana. Gravo todos eles e ouço depois, pra poder fazer minha autocrítica. Porque eu sempre defendi a autocrítica. Se você está lendo um jornal, uma revista ou ouvindo um programa de rádio, você está aprendendo e você que está escrevendo e falando, está ensinando.
O senhor ia fazer as matérias, as reportagens, ia atrás. E na hora da apresentação, tinha alguma notícia que era lida dos jornais impressos?
Aqui em Ponta Grossa já tinham bons jornais impressos. Normalmente, aqui também existia o gilete press, que era quando você pegava o jornal, recortava alguma notícia e grampeava numa folha de papel. Isso era usada como fonte, como falei pra você, que eram exigidos 90 dias de arquivo. Usei bastante isso. Já as reportagens que eram gravadas, eu usava um gravadorzinho e depois ficava ouvindo.
Tinha um grande jornal noticioso aqui em Ponta Grossa, o jornal falado HM da J2, tinha uma grande audiência, a cidade inteira ouvia. Nós tínhamos aqui na nossa emissora o jornal falado Bamerindus. Como não tinha televisão, a notícia saía assim. No nosso tempo não era igual hoje que se acontece alguma coisa ficamos sabendo na hora, antes demorava pra chegar uma informação. A base da informação naquela época era o Repórter Esso e a gente gravava com o gravadorzinho. Mas, na minha opinião, o jornalismo moderno pode melhorar ainda muito mais e precisamos também de bons jornalistas.
Quanto a participação do público, quais as diferenças de agora pra quando o senhor começou?
A participação do público era bem diferente. Era por telefone, muito comum na época em qualquer programa que a pessoa gostasse de participar. Mas era por telefone fixo, que, aliás, está se acabando. Mas o fixo era forte, o público participava, com informações também, gostava de opinar. Tinham programas que a pessoa ligava e fazia reclamações, pedindo asfalto por exemplo. E eu fiquei sabendo que a prefeitura ouvia esses programas e depois ia lá pra verificar o problema. Hoje já não sei como acontece. Parece que está tão vago. Naquele tempo a pessoa parece que tinha esse direito. A gente identificava quem estava fazendo a reclamação, anotava nome e endereço. E o rádio era mais popular naquela época. Felizmente saiu uma pesquisa agora, que o rádio teve uma época que ele era soberano, foi surgindo a televisão que na época era novidade, porque via o artista que você gostava e tinha os programas populares, como o Chacrinha. Hoje a televisão, como disse pra você, está tudo a mesma coisa, então o rádio foi crescendo novamente. Agora veio a FM, com qualidade melhor. As AMs em alguns bairros não pegavam, as FMs estão mais fortes e com boa qualidade. Programas mais musicais e informativos, com entrevistas. Houve uma aceitação. O próprio jovem ouve mais rádio por conta da facilidade do celular. Então o rádio está em alta novamente e a pesquisa que saiu está comprovando isso.
Qual é a função social do rádio?
Eu acho que [o rádio] tem que fazer tudo aquilo que o público, o ouvinte precisa saber. Na minha opinião, o rádio tem que ser o defensor das classes mais pobres. Por exemplo, sempre ter um bom comentarista numa emissora, um bom jornalista que escreva para as pessoas que estão dentro dessa classe social que hoje está tão desprezada no Brasil. Esse trabalho social que o jornalismo faz, merece, deveria merecer um pouco mais de respeito. E como eu falei pra você, na época a gente pegava um gravadorzinho e saía pra rua para ouvir as pessoas e ouvir as reclamações. Porque quem faz o trabalho de representar a população é o rádio, é o jornal, é a televisão. Então acho que o nosso trabalho de comunicador, de jornalista, de radialista é muito bom. Eu acho isso fantástico.
Como foi a aceitação tanto do público como dos profissionais do rádio com relação a transição do AM para o FM?
Eu não gostei muito da transição do AM para o FM. Porque eu trabalhei muitos anos na AM e gostava da AM. Mas entendi que foi uma boa coisa por causa da qualidade de som. Já em termos de mudança de programação, eu achei que foi um bom negócio. Mas como eu falei pra você, a AM tinha aquele tempo de telefone no ar, de colocar as músicas mais antigas na época. Eu acho que a AM atendia todas as classes sociais. Desde os mais velhos, até o mais jovens. Já a FM é mais para o jovem, não totalmente para as pessoas mais jovens, mas já pegou uma outra faixa que exige mais da programação, com músicas mais modernas, as coisas mais diferenciadas, no sentido de pensar para o lado mais jovem. Mas eu acho que o jovem fica ligado no celular, e no rádio pouco mudou. Houve uma melhora na qualidade de som, de alcance, ficou mais disciplinado. Têm os dois lados: uma minoria que eu acho que não gostou, mas está se adaptando. Já os mais jovens precisam se educar no sentido de aceitar, só que daí que tem que vir das emissoras uma programação eclética, que procure atender todas as idades e todos os gostos. Então acho que se ganhou. Por exemplo, nós aqui na Sant’Ana tínhamos muitas reclamações porque a AM em alguns bairros não entrava. Já a FM é melhor distribuída, com um alcance maior.
Memórias da mídia regional
A série de entrevistas com profissionais que atuaram e atuam no rádio ponta-grossense é fruto do trabalho da estudante Nadine Sansana, orientada pelo professor Sérgio Gadini, pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Estadual de Ponta Grossa, vigente entre os anos de 2018 e 2019. Sob o título Memórias de vida e trabalho na mídia regional dos Campos Gerais do Paraná, o projeto contribui com o acervo memorialístico radiofônico da cidade, tendo em vista a ausência de arquivos, registros e documentos sobre a história do rádio em Ponta Grossa.