O livro “De como aconteceu”, da historiadora ponta-grossense Maria de Lourdes Osternack Pedroso, relata que a região dos Campos Gerais foi passagem do monge João Maria de Jesus, no final do século XIX. Sua estada na cidade gerou muitos mistérios acerca do homem que operava milagres.
Na obra, a historiadora – “Lurdinha”, como é conhecida – mistura os fatos históricos oficiais com os próprios relatos de moradores com quem ela conversou. Com o devido respeito às crenças populares, uma das lendas registradas em seu livro trata de um episódio muito intrigante.
João Maria tinha hábitos comportamentais diferentes do normal, sua barba longa e a maneira diferente de vestir teriam despertado a atenção de crianças que brincavam pelas ruas. Numa ocasião, elas teriam apedrejado o monge e ele, de forma muito irritada, teria rogado praga na cidade: “as pedras que um dia me jogaram voltarão multiplicadas sobre vocês”. O fato é que, na noite de 11 de setembro de 1906, uma chuva de pedra intensa caiu sobre Ponta Grossa, deixando muitos estragos na região, conforme relata a historiadora.
Hoje, mais de 100 anos depois, há quem diga que João Maria ainda faz milagres. É o caso da faxineira Adenair Aparecida Maichaki, 45, que durante muito tempo sofria com um atrofiamento em sua mão esquerda. “Não tinha quem curasse, tinha tomado remédios e nada, além do atrofiamento em minha mão, eu sentia muita dor, pedi uma cura para o Santo João Maria, foram algumas velas dedicadas a ele, não demorou muito e fui curada”, testemunha Adenair.
Para muitos pesquisadores, outros monges já foram identificados com a denominação “João Maria”, principalmente na região sul do Brasil. Baseados no estilo de vida do italiano João Maria D’Agostini – um monge benzedeiro, curandeiro e conselheiro que viveu em meados do século 19 -, os monges foram confundidos na memória dos fieis.
Mito ou não, o que importa é que, para os devotos, a cura está atrelada à fé e independe do fato de ser depositada ao primeiro ou ao segundo monge. “Cada um recebe a graça segundo a fé, e Deus olha o coração e concede a benção”, observa o borracheiro Luiz Carlos dos Santos, 50, devoto de São João Maria.
A gruta do profeta
Para se chegar à gruta do monge, que fica na Rua Almirante Wandenkolk, na região de Uvaranas, o romeiro tem até o auxilio de uma placa que lembra essas que orientam visitantes em pontos turísticos. Ela fica lá, na beira da pista, indicando o local exato da bica. O abrigo é repleto de imagens, fotografias, quadros, placas de agradecimentos, enfim, são muitas as manifestações de gratidão ao profeta curador. Além de objetos, é possível também ver um retrato pendurado na parede do próprio monge milagreiro.
Centenas de imagens de santos e santas recebem abrigo no local, revelando o sincretismo religioso presente na gruta. Algumas bem desgastadas pelo tempo, deixam o cenário ainda mais místico. Em época de intensas chuvas, pode-se verificar um fluxo de água que escorre por todo lado, não apenas na bica. Segundo relato de moradores, a prefeitura melhorou o acesso construindo uma escadaria que permite ao visitante chegar até a gruta com segurança.
Muitas pessoas descem até a vertente para coletar água que dizem ser “benta”. Não se sabe ao certo a qualidade dessa água, mas para quem acredita o líquido pode trazer cura física. O assistente de serviços gerais Carlos Ney Lobo, de 50 anos, foi batizado com a água da gruta e afirma ser alcançado varias vezes pelas bênçãos do monge. “Tenho um sério problema de diabetes, e quando não tenho dinheiro para comprar remédio é só tomar a água que foi benzida por São João Maria que fico bom”, relata Lobo.
Pelos vários relatos de cura física e espiritual em torno do Santo, o local é conhecido por gente de toda cidade. Diariamente, fieis procuram o local para receber graça, porém, é nos finais de semana e feriados que acontece um maior número de visitações e mesmo batismos no local, ao ponto de causar transtorno aos moradores do entorno. “O problema maior, além do tumulto, é a sujeira que fica no final da tarde, além do cheiro insuportável de vela queimada no ar, aí fica difícil”, desabafa Carla Pinheiro, de 25 anos, moradora das proximidades do olho d’água São João Maria.
São João Maria não é reconhecido pela igreja católica
Mesmo recebendo popularmente o título de monge ou santo, a igreja católica não reconhece São João Maria como tal, e isso divide a opinião até mesmo dos católicos. “Sou católica sim! A igreja reconhecendo ou não, o fato é que as pessoas recebem a cura, portanto, na minha opinião, o que vale é a atitude do coração. Deus é um só, o que está em jogo é a fé”, diz Taine Ferreira, de 23 anos.
Líderes da igreja católica tem uma posição sobre esse caso. “Respeitamos essas crenças populares, mas a igreja católica não reconhece o monge como santo. Ouvimos relato de pessoas que são curadas através das petições feitas a ele, porém temos o cuidado de não fazer da fé um balaio de gato”, observa o pároco Casemiro Oliszeski, da Catedral Sant’Ana em Ponta Grossa. Em relação aos batismos que se fazem com a água da gruta, o pároco explica que, se tudo estiver dentro dos padrões cristãos, o ritual é válido.
Segundo a doutrina do catolicismo, quando um milagreiro é canonizado, os fieis ficam autorizados a rezar em seu nome, depositando assim sua fé no santo, que por sua vez intercede perante Deus em seu favor. O nome da pessoa beatificada é acrescentado ao rol de santos. Por último, é designado um dia do ano para celebrar e honrar os feitos desse mártir da fé, passando até a dedicar uma missa em sua homenagem.
Reportagem de Sidnei Sassaki