Por Fernanda Matos
Em 2023, Reinaldo lançou seu primeiro livro em formato de diário a fim de contar as experiências vivenciadas. Foto: Fernanda MatosUma entrevista embaixo de uma árvore no pátio do campus central da Universidade Estadual de Ponta Grossa foi capaz de evidenciar tantos detalhes de uma história que está presente nas 251 páginas do livro Prisão Sem Muros. Uma mistura de sentimentos, memórias e experiências que revelam angústias e superações. Em forma de diário, a obra perpassa a luta pela vida de um ex-dependente químico. Entre as linhas, o autor não hesita em mergulhar na poesia através de um diálogo com tudo o que já viveu. A busca de um sentido para a existência levou o autor Reinaldo Glusczka a conhecer caminhos e trajetórias diferentes daquelas em que ele estava inserido. A universidade foi o espaço ideal para uma conversa com alguém que queria fazer parte dela.
Nascido no banheiro do Terminal Rodoviário de Ponta Grossa, Reinaldo foi adotado por uma família com origens ucraniana e polonesa ainda criança. Sua mãe biológica era usuária de substâncias psicoativas. Medos e preconceitos fizeram parte da vida de Reinaldo desde a infância. Durante a entrevista, ele fala da época com um tom de tristeza quando relembra que sofria bullying por ter sido adotado por apenas uma mulher e por não ter uma figura que representasse o papel de pai.
Início de tudo
“Foi aí na infância que começou todo um processo de exclusão por parte de outras crianças que resultou na obesidade e no conhecimento do álcool. Eu já bebia direto nos finais de semana. Por exemplo, a primeira vez que eu bebi e perdi o controle eu tinha 12 anos. Foi num casamento de família.
Além disso, eu estava inserido num contexto social onde pessoas do grupo familiar e escolar faziam uso de substâncias. E não é porque minha mãe não me amava que ela me deixava ali, mas porque ela precisava trabalhar. Ela era uma mulher incrível, mas infelizmente eu tive contato com isso muito cedo.
A primeira vez que eu experimentei a maconha eu tinha 13 anos. Com 14 eu comecei a usar inalantes e segui por anos fazendo o uso de thinner, cola, solvente, até eu quase perder meu pulmão.”
Vício e saúde
“Eu ficava cerca de 12 horas cheirando as substâncias. Quando fui ao médico ele me falou que se eu continuasse assim, ia arrancar metade do meu pulmão. Mas, depois disso, eu conheci a cocaína. Quando isso aconteceu, parece que foi um despertar, sabe? Era como se faltasse uma peça no meu quebra-cabeça e ela fosse o uso. Eu injetava muita cocaína, até compartilhava seringas, principalmente durante um surto de HIV na cidade, mas não fui contaminado.”
Prisão e consequências do uso
“Com 18 anos eu fui preso por causa de um assalto à mão armada. Na esquina da UEPG, vi uma mulher passando e peguei a bolsa dela. Eu lembro que estava muito bêbado e quando saí correndo, para comemorar o furto, eu quebrei o retrovisor de um carro. Na hora que fui enquadrado por isso, olhei para a universidade e falei que um dia eu ia estudar aqui. Fiquei 80 dias preso e paguei serviço comunitário, mas quando saí, voltei para o uso frenético porque eu estava com muita vontade.
Com 19 anos eu quase tive uma overdose por inserir cocaína demais, tomar 7ml na seringa, que é quase uma seringa inteira de insulina. No outro dia eu fui me internar porque eu vi que eu ia morrer. Foi a primeira vez que eu fiquei dois anos sem usar substâncias.”
Início das mudanças
“Foi aí que eu fiz o vestibular e passei no curso de Licenciatura em História aqui na UEPG, em 2005. Então, fiquei dois anos sem usar nada, conheci minha ex-esposa, tive minha filha e já me separei. O processo foi muito rápido. Quando me separei, conheci o crack e nunca mais tive paz na minha vida. Eu usei durante 15 anos e foi o mais compulsivo. Eu perdi tudo mesmo, a ponto de ficar vivendo na rua. Além de ter perdido o contato com a minha filha. Inclusive, quero até deixar um pedido de desculpas porque ela faz muita falta. Eu amo ela, eu já pedi perdão ela já disse que me perdoou e tudo, mas é ela lá e eu aqui, então a gente não tem contato.
Eu cheguei a pesar uns 49kg, tive costela quebrada e perda do controle das funções intestinais. Era horrível. E foi quando eu decidi que não ia mais viver daquele jeito porque chegou um momento que eu falei que ou eu parava ou me matava, porque já não aguentava mais tanto sofrimento. Eu já estava com 37 anos quando decidi reconstruir a minha vida e passei quatro anos sóbrio.”
Superação e nova vida
“Agora, estou indo para sete anos em sobriedade. Consegui formar uma família novamente e voltar a estudar. Sou mestrando em História pela UEPG, faço voluntariado em algumas instituições como é o caso da Pastoral da Sobriedade. Também consegui uma bolsa por demanda social pela UEPG para conseguir estudar. Também atuo como professor colaborador na Federação Nacional de Terapia Holística em Dependência Química. Então, eu faço trabalhos voluntários, eu tenho uma família, eu tenho uma casa. Eu sou o cara mais feliz do mundo.
Quando eu pedi para nós termos essa conversa, é porque não é o Reinaldo falando. Eu sou uma pessoa que representa milhões de brasileiros, entende? Represento um número infinito de pessoas que entram diariamente no mundo das drogas.”
A entrevista
Em busca de representatividade, Reinaldo mergulhou na sua própria história. Em certos momentos, demonstrava os mínimos detalhes de tudo que aconteceu. O livro Prisão Sem Muros, para ele, é um desabafo.

Glusczka traz a experiência de um ex-dependente químico como forma de combater estigmas sociais e tabus que são associados às drogas. Ele fala sobre a luta por sobrevivência em meio a um testemunho de dificuldades. Os sonhos para o futuro permanecem e os ensinamentos também. Hoje, ele é capaz de contribuir para a vida de outras pessoas, por meio da religião e do apoio.
Reinaldo procurou essa entrevista com o objetivo de mostrar a superação, mas acima de tudo, testemunhar que a dependência pode ser combatida e que o apoio familiar e social é essencial. “Quando eu consigo ter um meio para falar sobre isso, eu me fortaleço, porque eu descobri que eu só consigo viver em sobriedade quando eu falo de sobriedade.”

Em caso de busca por ajuda para enfrentar o vício das drogas, ele disponibiliza o contato para prestar qualquer apoio: (42) 99663-5909.