Por Yasmin Aguilera
Foto: Yasmin AguileraCom uma trajetória construída a partir de pesquisa, memória e observação da realidade, Desajeitada propõe um olhar sensível sobre a vida das mulheres e sobre as violências naturalizadas no cotidiano. Vanderleia explica que o espetáculo nasceu de um processo de improvisação e laboratório, desenvolvido ao lado da palhaça e diretora Lili Cursio, amiga e parceira de criação que faleceu há dois anos. Foi com ela que a artista consolidou o desejo de abordar temas ligados à violência doméstica, machismo estrutural e sobrecarga feminina.
A inspiração para a obra se intensificou durante a pandemia. Segundo Vanderleia, o período foi marcado por notícias constantes de feminicídios e agressões. A artista relata que, à época, chegou a ouvir de sua própria casa os gritos de um homem ameaçando a vizinha, um episódio que a levou a acionar a polícia. “A normalização da violência contra a mulher era avassaladora. Aquele momento reforçou a urgência de falar sobre isso”, afirmou.

O espetáculo se estrutura em três momentos, inspirados no livro O mito da beleza, de Naomi Wolf, que aborda as pressões relacionadas ao trabalho, ao cuidado doméstico, à aparência e à idealização da feminilidade. A personagem interpretada por Vanderleia não possui nome. “Ela é um espelho. Cada mulher se vê nela de um jeito, dependendo de suas vivências”, explica. A ausência de fala no espetáculo amplia o alcance da obra, que já circulou por cidades do Brasil e também por países como Portugal e Espanha.
Para a atriz, a construção de Desajeitada também passa por seu processo de desconstrução enquanto artista da palhaçaria. Formada em um contexto tradicional e eurocêntrico, ela conta que precisou repensar referências, linguagens e modos de criação. “Eu tive que descolonizar o meu trabalho. As mulheres palhaças conquistaram espaço há pouco tempo, e precisamos valorizar essa narrativa”, destaca.

Além da pesquisa de campo e das vivências pessoais, o espetáculo incorpora a participação direta do público, que frequentemente interfere no desfecho da apresentação. Vanderleia relata que o final, hoje fixo, surgiu de um grito espontâneo vindo da plateia: “Sai dessa gaiola, mulher!”. Desde então, a cena se tornou parte essencial da dramaturgia.
As apresentações também aproximam o espetáculo de mulheres que vivenciam situações de vulnerabilidade. Em uma circulação realizada pelo Sesc, Vanderleia se apresentou para um grupo atendido por um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Para que pudessem participar, a equipe organizou uma recreação para os filhos das participantes. “Muitas nunca tinham ido ao teatro. Elas se reconheceram em cena, comentaram, riram, lembraram de momentos difíceis. Foi muito forte”, recorda a artista.
Segundo a atriz, oferecer espaços de diálogo após as apresentações é fundamental para ampliar o impacto do espetáculo. “O teatro permite que essas histórias reverberem. Ajuda a ressignificar experiências e fortalece a rede de apoio”, afirma.
