Por Cultura Plural
Por Sebastião Natalio – Jornalista, artista visual
Um olhar atento e autêntico sobre o cotidiano, muito além da estética mais do mesmo da fotografia em tempos de urgência das redes sociais e da Inteligência Artificial. É assim que defino a produção do repórter fotográfico, Henry Milléo, em exposição na Galeria do prédio histórico da Proex-UEPG, que ganha agora o status de Núcleo de Cultura Fauepg, título concedido pelo Ministério da Cultura.
“Amálgama” traz crônicas fotográficas, cujas narrativas – essa palavra tão desgastada por gente que desconhece o seu real significado – revelam traços da cultura paranaense. As séries de trabalhos que estarão disponíveis ao público até o dia 5 de junho, embora não dialoguem diretamente, trazem aspectos da fotografia documental, em que o autor procura com um olhar múltiplo aprofundar-se nos temas abordados. Do meu ponto de vista, trata-se de um material pronto para um vasto estudo antropológico a partir do qual seja possível debater questões sociais, econômicas e culturais que nos são caras.
Milléo é repórter fotográfico há pelo menos três décadas, com passagens por alguns dos principais jornais do Brasil e do exterior, como o “The New York Times” e “Le Monde”, e um tanto de premiações nesse percurso, entre eles o New Holland de Jornalismo, o Sebrae de Jornalismo e duas vezes o POY Latam (Pictures of the Year). Isso o credencia a estar no mesmo nível dos maiores fotógrafos brasileiros. Tivemos algumas oportunidades de dividir, ainda em início de carreira, algumas pautas na imprensa paranaense, o que me levou a conhecer e apreciar suas produções, incluindo as gastronômicas – ofício que cumpre à perfeição. Em coberturas jornalísticas, “apagamos” incêndios no Parque Estadual de Vila Velha, uma constante nos anos 90, e mostramos a criação de avestruzes em uma granja em Ponta Grossa, além de percorrer os bairros locais em busca de histórias de glórias, perdas e lamentos do povo.
Suas fotografias, principalmente em preto e branco, são cativantes pela simplicidade, onde se revela um senso estético apurado. São imagens para serem vistas sem a pressa de quem se habituou a correr o dedo em uma tela digital. Desde a “natureza-morta” de uma calçada avariada, com um poste, lixeira e gambiarras de fios, até um retrato mais elaborado de Hermeto Paschoal, presente em uma das suas séries, o espectador vai encontrar o mesmo olhar preciso nas composições. E é nesse ponto que o observador se identifica e se embrenha imagem adentro na busca de desvendar os mistérios ali contidos. Nesse ponto, ao atravessar o espectador, a obra cumpre sua função, que é a de ir além do simples registro em exposição. É Roland Barthes quem diz: “vivemos cercados, impregnados de imagens, e no entanto ainda não sabemos quase nada sobre imagens”. Daí essa necessidade de reflexão.
“Amálgama” reúne cinco séries produzidas ao longo dos anos, reproduzindo expressões culturais paranaenses. O fotógrafo embrenhou-se no mangue em Paranaguá, à cata da melhor imagem dos caranguejeiros na busca dos melhores crustáceos. Ainda na Ilha de Valadares registrou as manifestações folclóricas dos bailes de fandango, parte da nossa identidade e uma das mais tradicionais festas do Paraná. Saindo do litoral, circulou pelas escadarias da Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, em Curitiba, onde acompanhou os jovens sineiros, responsáveis por chamar os fiéis para celebrar o Corpus Christi.
O circo, tema que se evidencia entre os interesses do fotógrafo, está em uma das séries em que Milléo acompanhou uma família mambembe pelas periferias de Curitiba. E por fim, nos shows de rock do Sexta às Seis (e eu tive o privilégio de acompanhar algumas sessões) o fotógrafo fez alguns dos principais registros do “mosh pit” em que o público em seus momentos de desafio social se permite contestar através do corpo com gestos brutais que lembram uma batalha campal.
Em “Amálgama” temos um amplo espectro de imagens no qual o espectador pode mergulhar e escrever sua própria crônica, a partir do todo ou dos detalhes que venha a observar. Sugiro a esse espectador que se imagine abrindo uma caixa de fotos de família e mergulhando nas histórias que ela contém.