Por Cassiana Tozati
No mês de março, dedicado às mulheres, é essencial disseminar exemplos de figuras femininas, sejam elas fictícias ou reais e, nesse caso, ambas. Jane Eyre é a obra de estreia da renomada escritora inglesa, Charlotte Brontë, publicada em 1847. Brontë cria Jane Eyre, uma personagem forte e destemida em um contexto opressor, um exemplo de heroína. A autora publica seu livro na Era Vitoriana, meados do século XIX, causando indignação na sociedade patriarcal e regrada da época. A obra se faz extremamente compatível com a realidade atual, mesmo com o passar de quase dois séculos, pois as mulheres ainda precisam se provar heroínas para viver com liberdade.
A criadora da Jane Eyre, Charlotte Brontë, nasceu em 1816 e cresceu em Haworth, no condado de Yorkshire, na Inglaterra. Ela perdeu a mãe e duas irmãs mais velhas, crescendo, portanto, com o pai, duas irmãs mais novas, Emily Brontë e Anne Brontë, e o irmão Branwell. Os irmãos cresceram inseridos em um cenário gótico, uma região fria, úmida e com vento constante, que originou mentes criativas e o hábito da escrita. As irmãs Brontë, em 1946, publicaram uma coleção de poemas sob os pseudônimos, o que era comum às mulheres na época, de Currer, Ellis e Acton Bell. Em seguida, sob os mesmos pseudônimos, publicaram os romances “Jane Eyre”, de Charlotte, “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brontë, e “Agnes Grey”, de Anne Brontë. Elas iniciam suas carreiras de escritoras com nomes masculinos e, apenas depois de terem o trabalho reconhecido, revelam as reais identidades.
A personagem de Charlotte, Jane Eyre, perde os pais quando bebê, e é criada pela esposa do tio, que também morreu. É retratada nos primeiros capítulos uma constante humilhação para a personagem, pois são impostos a ela comportamentos e valores que não são do seu caráter. A consideram uma criança maldosa e sem um futuro digno por não conseguir conter supostos impulsos maliciosos de sua alma. Conhecemos, assim, o primeiro e mais marcante desafio da heroína, muito atual para as mulheres de qualquer século: necessidade de autoafirmação constante.
“Não sou um pássaro, e não fui presa em uma armadilha. Sou um ser humano livre com minha vontade independente”. Essa é uma frase escrita por Brontë para Jane, que mostra duas características da personagem. A primeira, é que não se identifica com a vitimização. A segunda, sua consciência de que seus sentimentos, vontades e objetivos devem ser levados em consideração sem que sejam anteriormente impostos a ela, mas originados de si própria.
As mulheres precisam provar à sociedade constantemente que a luta contra o patriarcado não é vitimização e, quando querem impor suas vontades e desejos, devem provar não só para a sociedade, mas para si mesmas que essas vontades são pertencentes a elas. Isso porque as imposições e falas resultantes de valores patriarcais são tão normalizados que contraria-los parece impossível. O machismo é intrínseco na sociedade de forma que as mulheres precisam praticar a autocrítica e policiamento de seus comportamentos e desejos constantemente para compreender em que momento estão reproduzindo atitudes tóxicas. E, depois desse processo, precisam explicar tudo aos homens. Jane é uma mulher que enfrenta rótulos e suposições sobre seu caráter com coragem, honestidade, senso de justiça e franqueza. A leitura do romance traz uma jornada de autoconhecimento de uma personagem feminina incomum no contexto da época, gerando uma mudança significativa na ficção produzida no período.
É relembrado o fato de Jane Eyre ser uma figura feminina incomum, mas a jornada interior traçada por ela é, na realidade, comum. O espanto dos leitores da Era Vitoriana é advindo da narrativa em primeira pessoa de uma personagem feminina, que conta como foi seu processo de crescimento e evolução, como ela estudou, trabalhou e influenciou pessoas sendo ela mesma, traçando o próprio destino e lutando por aquilo que acreditava. A reação ao romance pode não ser a mesma no século XXI, mas ainda assim é uma obra revolucionária. Isso porque é, ainda, novidade para as mulheres a ideia de que é possível determinar o próprio destino e lutar para conquista-lo. A independência e autossuficiência para as mulheres ainda é algo novo.
No mês de março é preciso que as mulheres lembrem da força que têm para encarar seus desafios. O dia 8 nunca foi, ou será, esquecido por marcar a luta por direitos, por marcar como heroínas existem na vida real. A heroína fictícia Jane Eyre ensina que ser livre é fazer as próprias escolhas a partir das próprias vontades. A heroína não-fictícia, Charlotte Brontë, ensina que acreditar em si, na própria capacidade e competência, é um ato revolucionário. Mulheres, sejam todos os dias revolucionárias!