Por Veridiane Parize
Mãe, mulher, militar aposentada que venceu um câncer. Ela chama atenção pela voz com tom firme, pela dedicação com o filho e a capacidade de resistir a qualquer obstáculo que aparece em sua vida com muita gratidão e fé.
Exemplo. Determinada. Resiliente. Eneide Luiza Tchmolo Fonseca, 56, abriu a porta com um cumprimento, muito receptiva. Cabelos louros presos em um elástico com grampos, roupas pretas confortáveis e joias discretas. Casa impecável, milimetricamente organizada e limpa, um grande aquário ilumina a sala de jantar com os únicos animais de estimação da família, que não é muito fã de gatos ou cães. Fotografias da família estão em diversos cômodos da casa – na estante, geladeira, frigobar. São fotos em eventos e jantares comemorativos, sem sorrisos muito expressivos, entretanto percebe-se muita união e amor em cada imagem.
A iratiense nasceu em 31 de outubro, data extremamente marcante em sua vida, não apenas pelo fato de ser o aniversário, mas pelos acontecimentos importantes sempre recorrentes nesta data. Neste mesmo dia, 60 anos antes, em 1902, nascia Carlos Drummond de Andrade, e como no poema “Família”, Eneide é esperançosa e é quem dá a palavra final em casa: “O agiota, o leiteiro, o turco, o médico uma vez por mês, o bilhete todas as semanas branco! Mas a esperança sempre verde. A mulher trata de tudo e a felicidade”.
Organizada, ela opta por começar o relato sobre sua vida do começo; quando criança, Eneide era muito frágil, desmaiava constantemente por causa de enxaquecas e era desnutrida. Aos 7 anos de idade, um médico disse para a mãe dela levá-la para casa, pois não havia nada que pudesse ser feito, foi então que uma benzedeira indicou algumas simpatias e ela melhorou.
Sempre muito esforçada, trabalha desde os 14 anos e era uma ótima aluna. Depois de terminar o colegial, prestou concurso para a polícia militar e gabaritou a prova escrita. Ela relembra as datas com muita exatidão. Em 20 de novembro de 1983 ingressou na Polícia Militar do Paraná (PMPR), no primeiro curso de formação de policiais femininas de Ponta Grossa. Composto por 48 jovens mulheres corajosas com desejo de ocupar um espaço que era exclusivamente masculino.
No curso que durou cerca de sete meses, Eneide encontrou muitos obstáculos, aulas com tempo integral, faxinas intermináveis e serviços, mas que foram vencidos com muita competência. Numa época em que o casamento entre militares só era bem visto se o casal fosse da mesma graduação e só dois anos após o ingresso na corporação, ela e suas colegas chamavam a atenção do povo ponta-grossensse, que tinha desconfiança por acreditar que as mulheres são o “sexo frágil”. Porém, com o passar do tempo, elas foram conquistando seu espaço. Eneide relembra essa época com muito orgulho e sentimento de dever cumprido, enaltece que venceu todas as barreiras e preconceitos com muita honra e dignidade.
O filho Gabriel é o seu maior orgulho. Enquanto fala sobre a gravidez, Eneide se desencosta do sofá, junta as mãos como em oração próximas do rosto e diz: “ele nunca me enxergou, mas no dia em que ele nasceu, ele me viu”. Gabriel nasceu moreno claro com olhos lilás, como descreve a mãe com muito amor, sobre o momento em que conheceu o filho após a cesárea.
Com exatos dez dias, o oftalmologista detectou um problema sério em Gabriel e aqui começava a saga de exames e idas a hospitais e especialistas. Antes dos três meses de vida era necessário que ele fizesse uma cirurgia, foi uma corrida contra o tempo. “Nós falimos”, ela ressalta em relação aos gastos com médicos e exames. Eneide não compreendia o que estava acontecendo, sentia-se muito triste e culpada pelo filho, porém nunca perdeu a esperança de que tudo fosse ficar bem.
No dia da cirurgia, ela estava com o coração apertado pelo seu filho tão pequeno ter que passar por tudo aquilo. Quando a enfermeira o trouxe, ele estava vestido todo de branco. Eneide sorri, “era o meu anjinho”, recorda. O doutor chama os pais na sala dele para conversar. Ela é direta, não gosta quando enrolam muito para falar algo e pergunta se houve sucesso na cirurgia, o médico apenas balança a cabeça em sinal negativo. Eneide lembra que Generoso, seu esposo, estava junto na sala quando a abraça e neste momento ela sente que precisaria ser forte. Quando conta isso, seus olhos ficam marejados e ela se arrepia. Gabriel nasceu cego. Ele tem uma síndrome rara que acomete sete a cada oito milhões de pessoas. Depois dessa notícia ela nunca mais reclamou por nada. Em meio às lembranças, Eneide senta na ponta do sofá com as mãos entre as pernas e diz: “faço tudo por ele”.
Em 31 de outubro de 2012, ela precisou fazer uma cirurgia, pois há pouco tempo tinha descoberto um câncer de mama. Ela passou o aniversário de 50 anos numa sala cirúrgica com a equipe cantando “parabéns pra você”. Eneide sorri e explica que sempre foi de bem com a vida. Vinte dias depois saiu o resultado e era um câncer muito agressivo em que a taxa de sobrevivência é mínima, porém ela tentou não se preocupar tanto com esse fato e sim com o tratamento, com o que precisaria ser feito dali para frente. Três dias depois ela estava passeando em Foz do Iguaçu e Paraguai, ela sorri novamente.
Foram dois anos de quimioterapia, 14 cirurgias e muitos gastos, porém Eneide não se incomodava com o tratamento, sempre focou seus esforços na cura do câncer. O mais difícil foi contar para o seu filho amado. Na época, Gabriel tinha 15 anos, e ficou muito triste pela mãe, chorava bastante e dizia que não queria ficar sem ela, então Eneide fez uma promessa de que não iria morrer. Com muita fé ela enfrentou essa fase difícil da sua vida. Atualmente, dá palestras motivacionais sobre o tema e conclui que “você dá a dimensão do problema”.
Generoso chega, ajeita o vaso na estante e vai dar comida aos peixes. Casados há 28 anos, em 1991 eram apenas amigos, mas ele com seu jeito ímpar conquistou Eneide. No dia dos namorados daquele ano, ele foi até o apartamento dela, levando um pacote de presente muito chique. Lá moravam mais três mulheres, também policiais, e alguns utensílios domésticos eram contados, por exemplo, colher de café havia apenas uma para cada moça. Eneide não quis aceitar o presente de Generoso, mas o pacote ficou lá e depois que ele foi embora, ela e as colegas cheias de curiosidade abriram o pacote: era duas colheres de café.
Em 1994, eles juntaram as colheres e foram morar juntos. Dez anos depois, ele a pediu em casamento, existia o desejo de casar, porém o pai de Eneide ficou muito doente, vegetando na cama e faleceu em 2007. Ela não queria vestido de noiva. Certa vez, ela disse para Generoso que se chegasse em casa, entrasse na internet e a primeira imagem que aparecesse fosse o modelo de vestido que ela queria, então eles poderiam se casar. Um mês depois, em 31 de outubro de 2014 eles se casaram.
Eneide acredita que para tudo na vida há um propósito, ao longo dos anos o Gabriel a ensinou a ser forte, para que quando ela tivesse o câncer já fosse forte o suficiente para superar tudo isso. O lado bom de ter passado por essa doença é que ela deixou o filho ser mais independente. Ela sempre teve facilidade para lidar com as pessoas, principalmente com crianças, sempre gostou de ajudar. Atualmente, trabalha no Colégio Vila Militar e ama o que faz. O lema da sua vida é que “os problemas ficam do portão para dentro”.
A vida de Eneide sempre teve altos e baixos, mas ela nunca se entregou, sempre buscou forças na espiritualidade e ressalta que é importante ter objetivos na vida. O objetivo que ela espera realizar neste ano é a formatura de jornalismo do filho. No jantar, ela corta pedaços pequenos da pizza para Gabriel e na mesa as colheres de café permanecem unidas.
Produção realizada em parceria com a disciplina de Estudos da Comunicação e Cultura da 3° série do curso de bacharelado em Jornalismo sob a supervisão da professora Karina Janz Woitowicz.