Por Marcelo Mara
O punk chegou ao Brasil nos últimos anos da década de 70 e criou um movimento que acompanhava as inquietações da juventude do mundo, principalmente com relação às imposições do Estado, da Igreja da polícia e outras instituições que determinavam padrões sociais de comportamento e ação.
Tornou-se a contracultura para a década de 80, rompeu com o então ultrapassado bucolismo hippie e se inseriu nas grandes cidades em meio a trabalhadores industriais, notadamente jovens e filhos de operários sem muitas perspectivas na vida, a não ser assumir a posição herdada por seus familiares nas fábricas.
No Brasil o movimento se espalhou por outras capitais, mas tem um núcleo por excelência, a capital paulista. Da região metropolitana, o Grande ABC, pipocavam manifestações sindicais que deram bases políticas adotadas pelo movimento punk.
Papel, cola, tesoura e Faça Você Mesmo. O Fanzine, a mídia punk
O fanzine se tornou a própria literatura punk. Sua confecção estava envolvida com outra base do movimento, o Faça você mesmo, que incentivava punks a escrever, editar, imprimir e distribuir suas próprias publicações.
Os jornais sindicais influenciaram a criação dos fanzines, que assumiram a pauta trabalhista dos metalúrgicos, somadas aos ideais anarquistas que chegavam por aqui através de textos dos pensadores anarquista e militantes libertários.
Everton Ribeiro é um punk de Ponta Grossa. Vocalista do Revertério, banda de punk rock criada em 2000, edita o fanzine Pátria Armada desde 2002 e no momento conta 10 edições da publicação aperiódica.
“No fanzine eu me coloco na função de um jornalista. Penso no conteúdo, proponho minhas editorias, pesquiso, cito as fontes dos meus textos, ilustro com meus próprios desenhos, diagramo, monto as páginas com colagem no papel e vou para o processo final, que é imprimir a maior quantidade de unidade que eu conseguir e distribuir”, explica Everton.
Tatiane ‘Tati Punk’ publica poesias punks. Os temas variam de acordo com o momento e estão relacionados às experiências pessoais. “Escrevo sobre o que eu vejo, do que me dá raiva. É um desabafo agressivo”, diz.
A garota punk já perdeu as contas de quantos poemas publicou desde que começou a imprimir. Não pensa em guardar tudo o que já fez e pretende fazer mais.
Tatiane distribui suas poesias em semáforos escolhidos por ela. Aborda motoristas e pedestres que nem sempre respondem bem a proposta de trocar uma poesia por uma moeda de qualquer valor. Vive situações de preconceito diariamente, por ser punk e por ser mulher.
“Fecham os vidros dos carros na minha cara. Pensam que estou pedindo dinheiro, ou que vou assaltar. Também têm os que pensam que só porque eu estou na rua tentando vender o meu trabalho, que eu também estou à venda”, indigna-se.
Movimento punk
A garota punk afirma que nunca foi agredida, mas já escapou de algumas tentativas. Everton Ribeiro não teve a mesma sorte e foi esfaqueado por um grupo de punks.
As brigas acompanham a deterioração de um movimento de resistência a ponto de muitos punks se revoltarem contra o próprio movimento punk. Everton não se furta ao afirmar que em Ponta Grossa não existe movimento punk, admite que em algum momento, próximo a virada do milênio, havia união entre punks, mas que isso morreu.
“Alguns engajados podem até dizer que o movimento punk sobrevive, mas acho que eles devem relativizar sua própria existência no punk. Punk acomodado não existe, para estes não há ideologia punk”, lamenta Everton.
Tatiane é categórica ao afirmar que não faz parte de movimento punk, e sim que participa do punk movimento, subdivisão solitária que propõe atitudes pessoais relacionadas ao punk.
“Eu ando sozinha. Não quero fazer parte de um movimento que não quer fazer nada a não ser brigar, beber e se drogar. Muitas vezes eu evito passar por vários lugares onde os ‘punks’ estão”, relata Tatiane.
Cleber Patinhas é um dos punks veteranos de Ponta Grossa. Não usa moicano e prefere os cabelos compridos, mantém o coturno nos pés e a predileção sonora pelo punk rock. Na década de 90, publicou fanzines e manteve uma caixa postal para receber e trocar material com outros punks.
Os anos dedicados ao movimento punk foram trocados pela atual negação. Patinhas ainda acredita ser um punk, mas os anos dedicados ao movimento também lhe custaram à identificação coletiva.
Patinhas não se rendeu ao emprego formal e há mais de 15 anos sobrevive da venda de acessórios confeccionados por conta própria. Num ponto no calçadão vende objetos que podem ser associados às estéticas hippies, como filtros dos sonhos e outros objetos feitos de sementes e miçangas.
‘O movimento punk nunca há de morrer’
De um dos primeiros discos a reunir bandas punks brasileiras, o álbum “Sub”, de 1983, saiu um dos hinos do punk rock nacional, a música “Delinquentes” ,do Fogo Cruzado, cujo refrão afirma “O movimento punk nunca há de morrer”.
André Cristiano se assume como punk e concorda com o verso do Fogo Cruzado que serviu de escola para muitos punks surgidos nos anos seguintes. André é formado e trabalha com Turismo, compõe e toca bateria no Bolores, banda de punk rock que existe desde 2003.
“O movimento punk existe e ele começa dentro de cada um. Ser punk não é só usar um moicano e ter um visual, é uma atitude que você mantém no teu cotidiano. Tem gente que é punk e não sabe. Não dá para generalizar e dizer que tem de ser de tal forma, é algo que está dentro de você”, conclui André.
35 anos se passaram desde as primeiras manifestações públicas do movimento punk brasileiro. Hoje o movimento tem sua existência questionada pelos que se dizem punks. Mas certamente há um pouco de atitude punk em toda manifestação contra injustiças, abusos, opressões e pelo reconhecimento de minorias e marginalizados.
Filho do Lixo
André Cristiano também atende por André Bolorento. Toca numa banda de punk rock que tem três discos, o mais recente, “É uma bosta, mas é de coração”, foi lançado no começo de 2015 e traz a música “Filho do lixo”, composição de André que provoca e diverte.
“Minha mãe me achou no lixo / todo sujo de cocô / até parecia um bicho / ficou com dó e me criou / às vezes penso num motivo e nunca chego a conclusão / abandonar um recém-nascido / jogá-lo a podridão / o lixo me pertence / o lixo me traz paz / eu amo mais o lixo que meus verdadeiros pais” (Filho do Lixo, Bolores, 2015)
A trajetória de André no punk rock se volta aos primeiros anos da década de 90, quando houve o primeiro contato com as letras das bandas punks nacionais. Desde então começou a montar bandas e fazer punk rock, ora mais panfletário, ora mais por diversão.