Por Daniel Schneider
Todos já tivemos algum animal que marcou nossas vidas. Em algum momento, um bichano, seja ele gato, cachorro, periquito, papagaio, lambari, etc., nos fez rir ou chorar. Animais que nos marcaram pelo jeito bobo, pitoresco, curioso, enfim, que foram únicos.
Jamais me esquecerei de um cachorro que conheci em meados da década de 1990. Não era propriamente meu animal de estimação, tampouco tinha um dono. Vivia perambulando pelas ruas, não raro era visto nos terminais de ônibus, mas era mais comum encontra-lo na rua Barão do Cerro Azul, no ponto de ônibus em frente ao Baviera.
Sempre se alimentava dos restos das marmitas deixadas pelos trocadores e motoristas do transporte coletivo, vindo daí o seu nome: Marmita. Vira-lata, amarelo, velho e manco, não me recordo mais quando o vi pela primeira vez, só lembro que ele estava lá.
Ao final das aulas, quando ia pegar o ônibus para voltar para casa, via Marmita deitado ao pé de uma pequena árvore que ali existia. Até aparecer um ônibus. Ele ouvia o ronco de um motor a diesel e levantava, como um caçador à espreita da presa. Quando o carro virava a esquina e parava no ponto, ele começava a latir. A fúria presente em sua voz era tamanha que, por vezes, eu chegava a tremer de medo.
Tentava abafar o som do latido abraçando a minha mãe. Nunca tive muito sucesso nisso. Na esperança de me acalmar, ela dizia que o problema de Marmita não era comigo e sim com os ônibus. Contou que um dia ele fora atropelado por um, por isso era manco. Não acreditava muito na história.
Diversas vezes pegamos a condução em pontos diferentes, para evitar o cão que me colocava tanto medo. Tomamos o ônibus no ponto que ficava ao lado do Colégio Júlio Teodorico e também em um que fica em frente à “Igreja dos Mórmons”. Uma vez, ficamos esperando do outro lado da rua, quando o ônibus virasse a esquina, atravessávamos a rua correndo. Inventávamos vários planos para evitar o Marmita.
Ainda que fizesse de tudo para não cruzar o caminho dele, por vezes eu o encontrava em outros lugares. Me recordo de um dia em que estava no Terminal Central e peguei o ônibus da Palmeirinha para chegar à escola. Havia dois lugares vagos próximos à roleta e sentamos ali. Quando olhei para os meus pés, avistei o meu velho ‘companheiro’ deitado sob o banco do trocador. Tranquilo, tirava uma soneca dentro do ônibus. Nem parecia o cachorro que me metia tanto medo.
Ele acordou e olhou para mim. Fiquei apreensivo, ‘e se ele resolver me morder?’, pensei, ‘para onde eu corro?’. Mas ele se limitou a bufar e voltar a dormir. Percebi que o problema dele realmente não era comigo.
Depois desse dia, passei a ver Marmita de um jeito diferente. Ainda tinha medo, mas compreendia quando latia para os ônibus e os perseguia até o fim da quadra, voltando de peito estufado, orgulhoso por ter afugentado alguém maior do que ele.
Passado algum tempo, não via mais Marmita em lugar algum. Curioso, perguntei:
– Mãe, cadê o Marmita?
– Foi atropelado.
Aquela pequena frase me fez entender o quanto a minha vida mudaria dali para frente. Nunca mais ouviria Marmita latir.