Por Daniel Schneider
A chuva caía naquela tarde, em Ponta Grossa, alternando-se entre uma garoa e pancadas mais fortes, nunca mantendo a mesma intensidade. Os passageiros iam e vinham, cada qual preocupado com seus afazeres e obrigações, sem prestar muita atenção ao que estava acontecendo ao seu redor. Os ônibus lotados entravam e saíam do Terminal Central, como em qualquer outro dia.
Entre idas e vindas de rostos sisudos, pouco receptíveis a uma conversa com estranhos, um garoto chama a minha atenção. Franzino, cabelos loiros cortados em ‘tigelinha’, camisa gola polo listrada e uma mochila presa às costas. A julgar pela aparência, é apenas mais um, dentre muitos meninos de 16 ou 17 anos que passam diariamente pelo terminal de ônibus, sem nenhum motivo especial para que alguém repare nele.
Sentado em um dos poucos bancos disponíveis nas plataformas, vi esse garoto passar correndo por mim, saindo de um ônibus vindo do Terminal Uvaranas. Mas não aquela ‘corridinha’ que você dá para chegar ao veículo que está saindo, o menino disparava a toda a velocidade pela plataforma, passos largos, sem olhar para trás para ver se havia esbarrado em alguém ou ouvir os gritos de “vai tirar o pai da forca?!”.
Olhei ao redor para entender o que estava acontecendo e vi um ônibus, já de portas fechadas e posto em movimento. O garoto perseguia o carro que havia partido há pouco. Mesmo com o veículo andando o menino o perseguia, implacável, obstinado, desviando das pessoas como podia ou as pessoas desviando dele.
Inconsciente do passageiro deixado para trás, o motorista do ônibus aumentava a marcha, fazendo crescer a diferença entre ambos. Ainda assim o garoto não esmorecia, afoito por chegar em casa, empreendeu o máximo de esforço que conseguia, na esperança de ser visto pelo motorista ou por algum passageiro, o que faria o veículo parar para que ele pudesse embarcar. Fiquei a observar os dois, garoto e ônibus, a se afastarem, tanto de mim quanto um do outro. Foram ficando cada vez menores, até fugirem do meu campo de visão.
Após essa breve ruptura da normalidade dos fatos no Terminal Central, voltei minha atenção ao ônibus que demorava a aparecer e à chuva, que ia acalmando-se. Mais alguns minutos de espera e a condução finalmente apareceu. Dentro do veículo, apenas três pessoas, o motor e uma leve garoa quebravam o silêncio que imperava no lugar. Dentre tantas pessoas dentro do ônibus, rostos fatigados após um dia de trabalho, avisto um garoto, franzino, cabelos loiros em ‘tigelinha’, camisa gola polo listrada e mochila preta às costas. O mesmo que eu vira no Terminal correndo atrás do ônibus. Naquele instante, tive ainda mais pena dele. O carro, que tanto se esforçara por alcançar, não era o que ele precisava pegar.