Por Sérgio Gadini
Um estranho silêncio marcou a (não) cobertura, pelos chamados principais diários brasileiros, no 47º aniversário de um dos priores decretos do regime militar brasileiro, descomemorado no domingo, 13/12/2015. Uma rápida leitura da primeira página (e nos portais) dos jornais do Pais, na edição dominical ou de fim de semana, revela um constrangedor descaso com a memória de milhares de brasileiros vítimas do regime autoritário brasileiro.
Para a história contemporânea do Pais, o 13 de dezembro lembra um dos piores momentos da ditadura militar, pois remete ao Ato Institucional 5, de 1968, que impôs um controle ainda mais repressivo que o autoritarismo mantinha desde 31 de março de 1964, quando empresários, partidos de direita e a velha mídia governista se consideraram vitoriosos ao derrubar o governo João Goulart (PTB), democraticamente eleito pelo voto popular.
O chamado “golpe dentro do golpe”, como ficou conhecido o AI-5, censurou a imprensa – inclusive os supostos aliados, que defenderam o golpismo, com capas e editoriais comemorativos, quando a força física apoiada pelo intervencionismo norte-americano se impôs à democracia – cassou mandatos eletivos e ousou fechar o parlamento brasileiro. Foi o AI-5 que marcou a fase mais brutal e assassina do regime militar, chegando ao ponto de matar cidadãos pela simples suspeita de ler, ouvir ou falar sobre problemas políticos do Pais. Tudo isso não é lenda, pois está nos registros da memória de colegas de profissão, amigos ou familiares das incontáveis vítimas do autoritarismo nas duas décadas (1964 – 1985) do obscurantismo que manchou de sangue a recente história do Brasil. Na dúvida, uma simples busca aos documentos e relatórios das comissões da verdade (nacional e estaduais) confirmam estes e outros desrespeitos aos direitos humanos.
Mas, se considerar o silêncio da mídia diária brasileira parece mesmo que tais agressões e desrespeitos não foram brutais. Ou teriam sido “brandas”? Tanto que os gestores das edições dominicais de 13/12/2015, do norte ao Sul do Pais, praticamente ignoraram a necessária descomemoração do AI-5. Com raras exceções, os diários (talvez, já amarelados, antes do tempo) no segundo fim de semana de dezembro, para além de não registrar a data, sequer relacionaram o assunto ao atual debate nacional em torno da legitimidade da democracia.
“Melhor assim”, devem pensar – e agir como tal – os neogolpistas, que preferem esquecer as atrocidades do regime militar brasileiro, como se a data fosse mais um dia qualquer na agenda da arrogância, desrespeito à memória e o mínimo de preocupação com as liberdades de expressão e o exercício democrático. Ao que parece, de novo, para os “alinhados” colegas responsáveis pelas edições da maioria dos diários que circularam no domingo, 13/12/2015, a memória seria apenas uma eventual lembrança passada, sem qualquer impacto do cinismo do presente.
De Porto Alegre a Fortaleza, Belo Horizonte, Curitiba, Recife, São Paulo, Salvador ou Rio de Janeiro, pouco ou quase nada se pautou a respeito dos 47 anos do AI-5. Alguns jornais, entanto, ainda que raros, no cenário nacional, lembraram do episódio. O Correio Braziliense brindou seus leitores (e internautas) com uma reportagem sobre a mudança de vida que o regime militar provocou na recém-criada capital federal. Uma reportagem que, a esta altura, deveria envergonhar o “silêncio forçado” da grande maioria dos concorrentes (http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2015/12/13/interna_cidadesdf,510457/saiba-como-o-regime-militar-endureceu-e-transformou-a-rotina-de-brasil.shtml)
Em escala mais modesta, e relacionando às convocações aos manifestos pró-impeachment, O Popular, de Goiânia, traz uma breve referência ao tal aniversário do AI-5 (http://www.opopular.com.br/editorias/politica/ato-em-aniversário-do-ai-5-gera-polêmica-1.1005171). Suficiente, no preocupante silêncio midiatico, para diferenciar o diário de Goiás. E os demais diários (na versão impressa e ou portal) regionais brasileiros? Salvo engano, optaram pelo constrangedor silêncio!
Trata-se, enfim, de um silêncio que constrói – para usar as palavras da professora Eni Orlandi, pesquisadora de linguística na Unicamp (“As formas do silêncio”) -, mesmo que seja uma ‘ponte’ para perpetuar a arrogância editorial, manter ou ampliar as desigualdades, ou assegurar o “publique-se” apenas aos velhos donos da voz, da imagem e da palavra escrita. Um descaso como que a dizer que a tarefa de lembrar os erros do passado para não repetir, vivendo o presente para projetar o futuro já não pertencem ao jornalismo comercial brasileiro.
E depois, eles ainda dizem não entender como seus superados modelos já não vendem, sequer convencem e tampouco revelam indícios de viabilidade editorial em um mundo que, com todos os problemas, vislumbra condições de pluralidade, pelo próprio acesso mercantil aos meios e suportes técnicos digitais.
No entanto, falar ou cobrar pluralidade de quem se esforça para silenciar sobre desrespeitos coletivos, pode ser um exagero. Ou equivale falar em outro idioma para quem só consegue ver de um ângulo: o do interesse privado. Melhor, pois, pensar logo outras formas de manter presente as necessárias descomemorações de toda e qualquer prática política, religiosa, econômica ou cultural autoritária.
Sérgio Luiz Gadini, jornalista, professor da UEPG. E.m: slgadini@uepg.br