Por Marcela Ferreira
Fraternidades de pessoas de todas as idades, vestindo coletes de couro com inúmeros símbolos bordados. Quanto maior o número de patchs costurados no colete, maior a experiência e o número de quilômetros rodados. Em cima de suas motos potentes, os motociclistas viajam com maior ou menor frequência, dependendo de sua rotina, pelo Brasil todo, e até para outros países. Só quem viajou de moto ou triciclo entende a sensação de liberdade ao sentir o vento frio no rosto, e o sangue quente pela adrenalina.
Para os motociclistas, veste como uma luva, ou melhor, como um colete, o espírito de contracultura. Para embalar os quilômetros de viagem, apenas um gênero musical poderia ser tão compatível: o rock’n’roll. Não é apenas as roupas de couro e o espírito aventureiro que aproximam o rock do motociclismo: os dois tiveram pontos altos de sua história em épocas semelhantes.
Comecemos pela origem do motociclismo. Embora a primeira motocicleta com motor a combustão tenha sido inventada em 1885, na Alemanha, os primeiros motoclubes surgem com mais força ao redor do mundo após a Primeira Guerra Mundial. Não se sabe exatamente qual foi o primeiro motoclube do mundo, mas no Brasil o primeiro que se tem registro é o Moto Club do Brasil, em 1927, no Rio de Janeiro.
Nas décadas de 50 e 60 surge o motociclismo romantizado pelos filmes de Elvis Presley, James Dean e outros ícones Rockabilly. O Rockabilly é o clássico rebelde dos anos 50/60, usa jaqueta de couro, passeia de moto – de preferência uma Harley Davidson – e ouve rock’n’roll. E é assim que começa a se popularizar a imagem do “motoqueiro”.
Nesta época tomava forma e se popularizava o rock’n’roll, filho do Blues Clássico. Rock nesta época era sinônimo de rebeldia, ataque aos bons costumes e até mesmo ligação com satanismo. Usando o mesmo guarda roupa lotado de roupas pretas, couros e tachas, e inspirados pelo sonho de liberdade, rebeldia ao conservadorismo, foi natural a aproximação das motos com o rock, e do rock com as motos.
O Rock, pelos motociclistas
Mas e o que os motociclistas pensam sobre a aproximação tão óbvia destas duas paixões? A escolha deste gênero musical parece ser unânime, segundo relatos de diversas pessoas. Fábio Lacerda Pascucci é radialista, DJ e locutor, e participa de eventos de motoclubes desde 2007. Fábio lembra que seu primeiro evento foi em Rio das Ostras, e que antes, como motociclista apenas, percebia que as funções de DJ e locutor “não se bicavam” muito, e então resolveu unir os dois trabalhos. “Determinada altura do evento o DJ não abaixava mais o som para o locutor poder falar, pois ambos queriam mostrar serviço”, lembra.
Com um vasto conhecimento musical, essencialmente de rock’n’roll, Fábio é fã de bandas como Jehtro Trull, Lynyrd Skynyrd, Black Sabbath, Deep Purple e Led Zeppelin. Gosta de tantas bandas, que acha quase impossível escolher um hit só. Questionado sobre a relação entre rock’n’roll e motociclismo, ele diz nunca ter parado para pensar sobre o assunto, de tão natural que a associação parece.
Para Hildgar Juswiak, a aproximação entre o gênero musical e a paixão por motos é parte de sua personalidade. Dono de uma Harley Davidson de 1600 cilindradas, Hildgar também ocupa o posto de uma banda de hard rock ponta-grossense: a Westhill. O hard rock teve seu auge nos anos 70 e 80, e é um gênero marcado pelo uso de roupas extravagantes e músicas mais animadas, que falam sobre aventuras noturnas, vidas de rockstar e garotas.
“A relação [entre rock e motos] é a melhor possível, pois o rock’n’roll e as motos são coisas coladas desde muitos anos”, conta Hildgar, que é co-fundador do Caçadores do Vento MC, que está prestes a completar um ano de existência. Ele observa que para algumas pessoas o gosto musical pode vir depois da escolha damoto: “Tem até pessoas que não curtiam rock e compraram motos custom, [de alta cilindrada] e acabam recebendo convites pra entrar em motoclube, e ali que inicia uma história de amor pelo rock”.
A banda preferida de Hildgar é Mötley Crüe, e a canção “Girls Girls Girls”. Esta música, especificamente, traz uma imagem dos motociclistas que não é a mais adorada por eles, e que também não é a mais realista: a imagem de quem procura confusão. Na canção: “Friday night and I need a fight/ my motorcycle and a switchblade knife”, que em português quer dizer “Sexta à noite e eu preciso de uma briga/ minha moto e um canivete”.
Apesar de alguns motoclubes terem a fama de encrenqueiros, como é o caso do Hells Angels, que existe no mundo todo, não é exatamente o que acontece na prática. Muitos motoclubes surgem de relações de amizade, fraternidade ou mesmo dentro de famílias. Este último, é o caso do Traças do Asfalto Motoclube e Triciclo Clube.
Família de Traças, por Tracinha
Tudo começou em 1974, quando Alan Afonso Ferreira comprou, com suas economias trabalhando de servente de pedreiro, sua primeira moto: uma Leonette, de apenas 50 cilindradas. Desde então, a paixão pela estrada nunca parou. A primeira viagem dele foi um trecho pequeno, de Curitiba a São José dos Pinhais, região metropolitana. Em 1984, já casado com sua esposa Rosa, nasce sua primeira filha: Dayane, hoje “Tracinha”. Em 1987 nasce seu segundo filho, Alan Diekeson.
Sempre viajando muito, e colecionando amigos, surge em 2000 a ideia de Alan montar um motoclube na sua cidade atual: Fazenda Rio Grande, também região metropolitana de Curitiba. “Foram tomadas todas as ações necessárias; pesquisas, editais de convocação na cidade. Com a ajuda do Dr. Paulo Cesar Cher, até então nosso advogado, conseguimos elaborar nosso estatuto e registrar no dia 24 de Novembro de 2009”, conta Dayane. No entanto, a fundação oficial do motoclube data de 10 de novembro de 2007.
O nome do motoclube veio depois de sua formação inicial: “eu voltei do trabalho com um desses potinhos de exames clínicos, com uma traça dentro, e percebi que ela estava viva, mesmo esquecida por uns 30 dias ali, e quando soltamos ela saiu andando!”. E foi pensando na força e resistência da traça que surgiu o nome: Traças do Asfalto. O moto e triciclo clube surgiu de maneira familiar, com Alan na presidência e seus filhos como tesoureiro e secretária, além de amigos próximos e um irmão de Alan que também participaram da fundação.
“Temos um programa social onde ajudamos pessoas menos favorecidas pela sociedade e outros em fase de implantação, e também está quase aí a sede própria do TC & MC Traças do Asfalto Brasil e muito mais”, anuncia Dayane.
Para ela, que aprendeu a paixão pelas motos com o pai, o rock está relacionado ao motociclismo como um referencial de liberdade e uma forma melhor de expressar essa liberdade. “É uma união perfeita motociclismo e rock, mas isso não que dizer que não possa ter outros estilos musicais. Em Santa Catarina o pessoal demotoclubes curte muita música gaúcha”. E finaliza: “Ser motociclista é ter uma família imensa que você vai conhecendo um membro novo a cada dia.”