Por José Tramontin
Em Ponta Grossa, a comunidade muçulmana costuma se reunir na Mesquita Imam Ali. Pode parecer irônico, mas ela fica localizada em uma rua com referências extremamente católicas, a Rua do Rosário.
O prédio verde berrante, construído em 1997, recebe os praticantes do Islã toda semana, principalmente às sextas-feiras por volta das 13 horas, horário em que vários muçulmanos se reúnem para fazer suas orações. “Nós construímos a mesquita com amigos muçulmanos. Juntamos o dinheiro e começamos as obras”, conta Nowreddine El Sayed, um dos líderes da religião na cidade.
A comunidade muçulmana começou a se formar há 80 anos, com a chegada de estrangeiros vindos do oriente médio. Eram cerca de 70 famílias. Hoje é composta também por muitos ponta-grossenses e pessoas naturais de outras cidade que se converteram ao islã.
“A religião conseguiu entrar no coração de muitas pessoas, mostrando as coisas bonitas, fazendo as pessoas gostarem dessa religião”, afirma Nowreddine.
Os costumes praticados pelos seguidores da religião em Ponta Grossa não são diferentes do que o resto do mundo faz. As cinco orações diárias sempre voltadas para a cidade de Meca, o Ramadã (grande período de jejum) e o uso frequente da língua árabe. A única diferença são as vestimentas tradicionais da religião, que são deixadas um pouco de lado.
Nas festas de final de ano, a mesquita fica cheia de fiéis. Tanto sunitas quanto xiitas, costumam participar das orações, que juntam entre 80 e 90 pessoas, desde europeus a africanos.
A falta de conhecimento gera a intolerância
Na última sexta-feira 13 o mundo voltou a colocar o dedo na cara do islã. Os atentados terroristas praticados em Paris, trouxeram mais uma vez o fantasma do fundamentalismo religioso à tona, gerando mais uma enxurrada de comentários intolerantes e preconceituosos. A maioria das pessoas coloca todos os muçulmanos no mesmo saco, sem levar em conta que o radicalismo é praticado por uma minoria.
“Isso que o grupo Estado Islâmico vem fazendo no mundo não é o Islã”, conta Abdul Hamyd, islâmico há doze anos. “Eles tem uma visão completamente deturpada. E o que a cobertura da televisão vem fazendo também é uma sacanagem. Ajuda a propagar essa imagem de que o muçulmano é terrorista. Todas as câmeras se voltam para condenar o Islã e esquecem dos outros problemas do mundo”, acrescenta.
A intolerância religiosa ganhou força ao redor do mundo nos últimos anos. Em Ponta Grossa, por exemplo, a mesquita islâmica Imam Ali sofreu com ataques de vândalos em Julho deste ano. Diariamente vemos notícias que revelam ações de intolerância contra várias religiões no Brasil.
Rosana dos Santos, dona de casa, se converteu ao Islã há oito anos. “Felizmente eu nunca sofri com isso, mas eu sei que algumas pessoas acham estranho”. Ela não costuma sair de casa com a roupa tradicional da religião, o Icharb, apenas quando vai à mesquita. “Não me sinto preparada ainda para isso”, diz.
Nowreddine El Sayed é um dos fundadores da única mesquita ponta-grossense. Árabe de nascimento, mudou-se para Ponta Grossa em 1996, e desde essa época luta para difundir o Islã que acredita ser o verdadeiro, o que foge do radicalismo. “É preciso entender a religião que o profeta Mohhamed trouxe pra nós através dos séculos. O fanatismo nunca foi islâmico”. Nowreddine também acha que a cobertura midiática vem, ao longo dos anos, ajudando a criar uma imagem errada sobre a fé muçulmana. “O ensinamento da religião não é um ensinamento de matar ou atacar os outros”, diz.
O capoeirista tem religião, a capoeira não.
Eu sempre fui um cara pacato. Nada de lutas, nada de armas, nada de incitações ao ódio ou à violência. Mas sabe-se lá porque cargas d’água eu marquei pra fazer uma aula de capoeira. Foi um impulso curioso, daqueles que você pensa “ah, se eu não fizer nunca vou saber como é”. Também tem o lance da matéria que estava escrevendo. A minha fonte era um muçulmano. Um muçulmano professor de capoeira. Um dia antes eu fui bater um papo com ele e recebi o convite pra aula. No dia seguinte cheguei exatamente no horário marcado. 18 horas.
Vinte minutos esperando em frente à Associação de Moradores do Bairro Santa Lúcia, nada da minha fonte chegar. Será que é da cultura muçulmana atrasar-se? Realmente sou neurótico com horários. Ele não chegava, mas dali a pouco me vi cercado de crianças, umas com roupas de capoeira, outras com roupas normais, todas saracoteando, o que parecia ser uma espécie de aquecimento para a aula que viria.
Um carro azul escuro, um tanto velho, mas nem tão velho assim desponta na esquina.
– Eu falei que o profe se atrasa sempre. Mas ele nunca falta. Quando o carro estaciona leio em árabe um adesivo colado no vidro traseiro “Não há outro deus senão Allah. Reconheço que Maomé é profeta de Allah”.
Isso é mentira. Eu não sei ler árabe coisa nenhuma. Quem traduziu pra mim foi o próprio professor de capoeira, Abdul Hamyd. – Árabe se lê de trás pra frente – ele disse.
Grande diferença…
Primeiro começou a aula das crianças. Fiquei fotografando e prestando atenção em todos os exercícios. Mas a todo momento passava pela minha cabeça que eu nunca mais iria encontrar na vida um professor de capoeira muçulmano. Eu estava realmente espantado com isso. E como fica a religião? Os muçulmanos, até onde eu sabia, adoravam um único deus e eram extremamente cuidadosos para que seus hábitos nunca fossem contra o que prega a religião. E a capoeira tem vários elementos do candomblé e do sincretismo religioso brasileiro.
– A capoeira tem muito do candomblé e do Islã – conta Abdul. Nesse momento eu reparo em como as suas olheiras formam duas crateras enormes no seu rosto. Ele está vestindo o Taqiyah (chapéu islâmico de croche) e preserva a barba comprida. Elementos que o homem islâmico deve usar para mostrar seu respeito perante deus. Durante a aula, o Taqiyah é deixado de lado, mostrando uma calvície prematura.
– Muitos dos escravos que praticavam a capoeira no Brasil, vieram de países islâmicos da África e continuaram praticando a religião aqui, junto com a capoeira. Já ouviu falar na revolta dos Malês? Eram esses escravos.
Aí comecei a receber uma aula de história, o que era natural, já que Abdul, muçulmano há 12 anos, passou mais de cinco estudando a língua árabe e o próprio Islã no Instituto Latino Americano de Estudos Islâmicos, em Maringá. Inclusive foi para países como Espanha e Kwait para praticar e buscar conhecimento.
Além de bastante instruído, ele parece ser um cara sério. Não dá mole pra criançada da capoeira. Levanta a voz e toma as rédeas. Um dos seus três filhos está no meio dos alunos. Said, ou “morrinho” como foi apelidado, é o que tem mais desenvoltura. Imagino o quanto o garoto não deve ser cobrado em casa pelo pai, que impõe muito respeito do alto dos seus quase 1,90m de altura.
Acaba a aula das crianças, vou trocar de roupa.
– Você já fez capoeira antes? – me pergunta Abdul.
– Nunquinha.
– Nada mesmo?
– Nada.
Ele olha pra mim e sorri, como se pensasse “vamos ver quantos minutos esse cara acha que aguenta na minha aula”.
Começamos com uma sequência de alongamentos. Até aí tudo bem, me garanto tranquilamente. Uma corridinha? Beleza, manda mais que tá pouco.
Não se passaram vinte minutos e eu já estava estuporado, pedindo arrego em meio às sequências de golpes que ele tentava me ensinar. Até que em um deles “RRRREEEEEEECKKKKKK”. A minha calça rasgou quando fazia um movimento chamado “armada”.
– Hahahahahahahaha parece que você tá com um problema aí amigo! – Abdul faz troça da situação tentando me tranquilizar.
Mas não adianta. Na minha cabeça me imagino vestindo a roupa completa de um muçulmano, a Burca, pra tentar esconder o rombo da minha calça. Minutos antes o próprio Abdul havia dito que a vestimenta muçulmana não é usada por fundamentalismo, mas por pudor! E como eu ia continuar tendo aula de capoeira com um muçulmano sendo que a minha calça tinha um buraco maior do que o da camada de ozônio, deixando aparecer a minha cueca? Cadê o pudor nisso?
Sem falar que ele não era o único praticante do islã no salão. Seus três filhos e sua esposa estavam ali. Inclusive ela estava participando da aula. Que vergonha.
Um pouco antes ela me contava o quanto o Abdul é um pai rígido. Rosana dos Santos, 32, casou-se há 13 anos com Tiago Sebastião dos Santos. Agora é esposa de Abdul Hamyd, embora ainda o chame de Tiago. A mudança de nome vem com a conversão completa para o Islã. Foi o próprio Tiago quem escolheu Abdul, que significa “o servo do louvadíssimo”.
– Eu vi num livro chamado “Os 99 nomes mais belos de Deus”.
A decisão para a conversão ao islã também foi influenciada por referências culturais. A mãe era evangélica e o fazia estudar a bíblia, mas ele gostava mesmo era dos filmes de profeta. Um dia conheceu Rodrigo Abdulkareem, na BRFoods em Carambeí, lugar que trabalha até hoje. Rodrigo já praticava o Islã e apresentou alguns livros para Tiago, um deles foi “A bíblia, o alcorão e a ciência”. A partir daí, Tiago aprofundou seus estudos, e em seis meses estava convertido.
A mudança de vida é radical. A começar pelas orações. Abdul conta que são cinco momentos de oração por dia, todos eles virados para a cidade sagrada de Meca. Os horários que ele costuma orar são 5:30h, 12:30h, 15:00h, 18:30h e 20:00h. Além disso, ele explica que existem dois tipos de orações, a Duai, que é a súplica pessoal, e a Salat, que segue as regras do islã e deve ser professada em árabe. Em todos os momentos de oração, o fiel deve lavar-se em sinal de purificação para ficar diante de deus.
– Pra que lado fica a Meca? – eu pergunto.
– Ali pro lado do mercado Big, naquela direção.
A aula vai chegando ao final, eu quase não tenho pernas pra mais nada. Concluo que capoeira não é para mim e um muçulmano não é um bicho de sete cabeças, muito pelo contrário.
O vídeo a seguir foi realizado na mesquita Imam Ali, localizada na rua do Rosário, e traz uma entrevista com Nowreddine El Sayed, um dos principais membros da comunidade muçulmana de Ponta Grossa.