Por Kamila Vintureli e Leonardo Mordhost
Enquanto mostra o altar Lídia conta que, diariamente, recebe dezenas de orações e pedidos dos fiéis do Divino. Ela faz parte da quarta geração de mulheres que cuidam da casa do Espírito Santo. A primeira responsável foi Maria Julio Xavier, que mais tarde passou a ser conhecida como Nhá Maria do Divino, bisavó do marido de Lídia.
A história da criação da Casa do Divino traz saudade aos olhos de Lídia Hoffmann, que descreve do começo ao fim, a história da criação da Casa do Divino. Desde 2005 é Patrimônio Histórico Religioso da cidade de Ponta Grossa e Lídia é responsável pela casa há mais de 30 anos.
— A casa foi construída em 1860 e Nhá Maria sempre morou aqui.
Em 1882 Nhá Maria começou a ter problemas de memória. Muito devota do Espírito Santo, a bisavó do marido de Lidia pedia em suas orações que ele a curasse, mas o problema com a memória só piorou. Um dia, sem que a família percebesse, ela saiu de casa. Passou quatro meses fora e a família achou que ela tinha morrido. Depois desse tempo, ela voltou toda esfarrapada e segurando um pedaço de madeira com a imagem do Espírito Santo gravado.
Lídia conta que a família já havia desistido de encontrar Nhá Maria, e creditaram seu retorno a um milagre. E Nhá Maria disse que era mesmo. Ela contou que passou vagando pela Região dos Campos Gerais, ganhando poso e comida dos moradores. Ela foi até Castro e um dia, enquanto se banhava nas águas de um rio, ela viu um pedaço de madeira com a imagem.
– No instante em que tocou a imagem, Nhá Maria lembrou quem era, onde morava e retornou para a casa.
Ai, então, surgiu a Casa do Divino. Pela graça alcançada, Nhá Maria montou um altar para o Divino na sala da casa, onde se encontra até hoje. A história se espalhou tanto que ela resolveu abrir as portas de sua casa para todos que quisessem entrar. E assim se deu início a Casa do Divino.
Lídia Hoffmann é de fato uma mulher devota e abençoada. Além do altar com a imagem do Divino Espírito Santo, ela decorou a sala de encontro dos devotos com centenas de imagens sagradas e, entre elas, destaca-se a imagem da própria Nhá Maria. Lídia casou-se com um descendente da fundadora da casa. Casa essa que nunca saiu da família Julio Xavier. Lídia chegou a cuidar da terceira geração de mulheres responsáveis pela casa, a da tia de seu marido, que morou lá até o fim de seus dias.
TRANSFORMAÇÃO DA CASA
Quando Lídia iniciou seu caminho como responsável pela Casa do Divino, apenas a sala da residência era cedida para o encontro dos fiéis. Os quartos utilizados pela família ficavam em volta da sala o que, para Lídia, causava certo constrangimento a cada saída pela manhã.
— Enquanto tinha alguém da família acordando pela manhã e saindo do quarto, tinha algum fiel entrando na sala para pedir as graças do Divino.
Para mudar a dinâmica do recinto, a casa passou por reformas e ela aproveitou o momento para reestruturar isso também. Criou a lojinha, com produtos do Divino, mudou o local onde acendem as velas, criou um escritório para a Agência de viagens. A casa da família ficou localizada num nova construção, aos fundos da Casa do Divino.
– Agora, minha família tem a privacidade ideal e os fiéis espaço para adorar o Divino .
A Casa do Divino chegou a ser interditada pela Defesa Civil por problemas estruturais, que colocavam em risco a família de Lidia e os fiéis que a frequentavam. Ficou quatro anos fechada até que se desse inicio a restauração, em 2005.
A GRAÇA DE LÍDIA
Antes de ficar responsável por cuidar e manter viva a tradição e a fé pelo Divino Espírito Santo, Lídia era devota, mas em uma escala infinitamente menor da devoção que sente agora. E tudo isso mudou com a graça alcançada através de sua fé.
– Sou testemunha de diversas graças alcançadas e eu mesma fui atendida pelo Divino Espírito Santo.
Uma delas aconteceu com seu filho. Quando Lídia foi morar na Casa do Divino, o filho do meio foi diagnosticado com câncer nos ossos. Ele tinha quatro anos na época.
— Questionei o Divino fazendo a promessa de que, se esse lugar fosse realmente um lugar de graça, que ele curasse meu filho, e então eu cuidaria dessa casa com o maior amor do mundo. Meu filho se curou, recebi essa graça e minha devoção só aumentou.
Lídia se define como uma das mais devotas da Casa do Divino.
TRADIÇÃO ALÉM DOS RÓTULOS
Apesar de pertencer ao catolicismo, a Casa do Divino não segmenta públicos, segundo sua administradora. A instituição quebra barreiras na aceitação e recepção dos mais variados indivíduos que têm a intenção de freqüentarem as atividades do local.
— A casa do divino tem um perfil religioso, católico, pelos inúmeros santos pendurados aqui, mas em nenhum momento limitamos este espaço só a esse público.
Para Lídia, a finalidade principal da casa é histórica, por ser um patrimônio histórico de Ponta Grossa e, por isso, recebe pessoas de outras religiões.
– Acredito que o Espírito Santo esteja em todas as religiões. O que diferencia é que nós, católicos, acreditamos nas imagens, na representação. Outras religiões pentecostais não têm isso.
Lídia relata que algumas pessoas que frequentam a casa, com o tempo, mudaram de religião. Apesar disso, continuam participando do grupo, devido a uma cultura estabelecida e porque se identificam e acreditam que suas visitas fazem diferença em suas vidas. Para Lídia, o respeito vem acima de tudo.
— Acolhemos todas as pessoas, independente de religião, raça, gênero, sexualidade. Sem distinção.
MULHERES PELO DIVINO
A novena de segunda-feira na Casa do Divino revela características importantes do local. A principal, sem dúvidas, é a predominância feminina. Das mais variadas idades, dos mais variados trajes, ao lado de um ou outro homem, os fiéis do Divino são, em sua maioria, mulheres. Ao iniciar a novena, Lídia não tem dúvidas em como saudará os visitantes:
– Boa tarde a todas.
O trabalho de conclusão de curso na graduação de Lídia foi justamente sobre esse assunto. Nele, ela identificou que mais de 70% dos fiéis são mulheres, e que são elas que levam adiante essa cultura de freqüentar e acreditar no Divino. Para Lídia, dentro da família e da sociedade, a mulher é mais preocupada com a educação e ensinamentos de valores aos filhos.
– Não digo que os homens não o fazem, mas as mulheres parecem ser mais abertas pra isso. Somos mais sensíveis e espiritualizadas, talvez isso explique.
Assim como é uma mulher, Lídia, que comanda a novena pelo Divino, também é uma mulher, Dona Juvina Gonçalves, que carrega a bandeira do Espírito Santo para que todos possam adorá-la como preferirem, com beijos, ou com um simples toque. Para ela, sem a Lídia cuidando de tudo, cuidando das mulheres do Divino, a tradição não seria a mesma. Juvina define Lídia em uma palavra
– Ela é essencial.