Por Cultura Plural
Por Victor Gabriel Schinato
A lembrança dos momentos em que a imaginação criava seres fantásticos feitos de fogo e magia, enquanto histórias eram narradas dramaticamente por algum familiar ou professor, faz parte da memória de muita gente. São vivências de como, quando criança, qualquer clarão na mata podia se tornar uma enorme serpente, ou uma mulher amaldiçoada a se transformar em mula.
Segundo o dicionário Priberam, o folclore se caracteriza pelo conjunto de tradições, lendas ou crenças populares de um país expresso em danças, provérbios, contos ou canções. Essa riqueza que constrói a identidade cultural do Brasil é lembrada no dia 22 de agosto, data instituída há 57 anos para celebrar o Dia do Folclore.
Lucélia Clarindo, contadora de histórias e coordenadora do Bando da Leitura, afirma que o folclore é a alma da cultura, tudo aquilo que acreditamos, mesmo que não seja racional. Seu fascínio pelo folclore teve início ainda jovem, com a avó, mãe e vizinhos, nas proximidades do Parque Estadual de Vila Velha. Rodas de conversa se criavam ao redor de causos de monstros e aparições.
Para ela, o folclore está intrinsecamente ligado à infância, como quando criança ouvia histórias de assombrações e as imaginava na água que se infiltrava nas paredes.
Como educadora, Lucélia diz que conhecer o folclore é saber de sua história e identidade e ressalta a importância dos mitos na formação de crianças. Também lembra que os familiares, para orientar as crianças, criavam histórias como a tradicional proibição do chinelo virado, de maneira que os calçados ficassem sempre organizados na frente das casas com muitos filhos. Ela ainda garante que estudar os mitos é uma efetiva maneira de entender os costumes atuais.
A contadora de histórias enfatiza o peso do folclore na construção histórico-cultural de Ponta Grossa. Uma cidade que muito cultua a tradição e os antigos mitos, mas que se ausenta de políticas de preservação dos bens que fizeram parte da tradição da cidade.
Com pesar, Lucélia constata que existe uma tendência recente em deixar o folclore de lado, e também enfatiza que seria como esquecer a cultura de origem. A educadora diz que Ponta Grossa já teve vários eventos voltados ao folclore, mas que ultimamente a gestão pública deixou de lado qualquer projeto do tipo.
Folclore em narrativas
Lucélia Clarindo reconhece o rico acervo de histórias que os idosos possuem em seu repertório, valorizando a troca de conhecimentos que podem ser adquiridos ao dar a oportunidade para que contem suas histórias.
Alfredo Mourão, organizador da coletânea “Lendas e Causos de Ponta Grossa”, reitera a relevância dos idosos no processo de confecção do livro, uma vez que foram eles que forneceram os relatos. Mourão não clama autoria do livro, alegando que as histórias não pertencem a ele, sendo apenas quem as ouviu e catalogou.
Para ele, folclore é artesanato, culinária, costumes e tradições que se acumularam ao longo da miscigenação brasileira. De acordo com ele, o folclore pode se associar a uma política pública de pesquisa e resgate desta cultura, trazendo a tona uma realidade de economia criativa e cultural, com novos nichos fomentando o cenário econômico da cidade com festivais e comércios típicos.
Mourão relembra com fascínio de como os biomas brasileiros enriquecem e se ligam aos mitos que permeiam o imaginário popular, de maneira que o mesmo acontecimento pode se repetir ao longo de todo o território nacional, mas é adaptado à região onde ocorre. E há os casos de ambientes específicos, habitados por certos povos, que são o berço de uma série de mitos exclusivos, como a história por trás da criação de Vila Velha, em Ponta Grossa, e a desventura amorosa de Naipi e Tarobá, nas Cataratas do Iguaçu, ambas de origem indígena.
Alfredo declara que, para manter o folclore vivo, é de extrema importância não só a continuação da tradição oral, mas também a prática. É necessário resgatar as danças, costumes culinários e formas de artesanato, com o auxílio do aparato público, para que então esses grupos culturais possam gerar receita própria e manter sua tradição viva.
Maria Adriana das Neves, diretora de folclore e dança durante os anos de 1997 a 2011, afirma que o folclore entrou em sua vida quando criança. A ex-diretora, que prefere ser chamada de Chica, atesta que o folclore foi indispensável na construção cultural e estrutural de Ponta Grossa, citando a variedade de mais de 10 culturas que co-habitam a cidade, delatando também como a influência dos tropeiros e imigrantes moldou a maneira como os bairros da cidade foram chamados, como Ronda, Nova Rússia e Uvaranas.
Ela relembra com saudosismo a época áurea dos eventos folclóricos de Ponta Grossa, quando todo o mês de agosto era ocupado por oficinas, mostras culturais e feiras gastronômicas. Segundo ela, os eventos foram deixados de lado devido à diminuição da adesão dos grupos culturais à criação destes eventos, mesmo que recentes tentativas tenham sido feitas.
O lugar do folclore na cultura
Andriolli Costa, jornalista e pesquisador de cultura popular, atesta que o folclore está presente na vida do ser humano do mundo inteiro durante toda sua vida, uma vez que a inserção acontece ainda quando criança, por meio do ambiente familiar. Ele relembra das visitas à chácara da família, onde ouvia histórias de seu pai sobre as aparições do saci e percebia como tudo aquilo significava muito mais do que só um causo para entretenimento infantil.
Criador de um documentário sobre folclore, especificamente sobre o saci, Andriolli coletou dados do twitter, se inspirou em uma exposição de arte e seu fascínio advindo a infância, para então criar a obra que serviu como base ao seu trabalho. Ele menciona que o documentário é sobre o saci, com base nas histórias que ouvia, por isso toda a obra possui afeto e fala sobre família.
Costa diz que folclore brasileiro é um termo guarda-chuva para englobar uma infinidade de culturas e visões, e que por muitas vezes pode ser uma maneira de homogeneizar essa variedade, quando ela deveria estar sendo celebrada.
O pesquisador lamenta o pouco reconhecimento e divulgação que a área recebe, sendo muito desacreditada desde sua criação por conta de um viés amador e falta de parâmetros na elaboração de conhecimento científico.
Ele discorda da visão de que o folclore vem sendo deixado de lado, mas acredita que o termo está simplesmente caindo em desuso, de maneira que ainda esteja muito presente em nossos dias, mas não é reconhecido como tal. Exemplifica o aperto de mãos, a noiva jogando um buquê e também a medicina por meio de chás como folclore não reconhecido, sendo costumes tradicionais repetitivos que permeiam a história de um povo.
Andriolli relata que o esquecimento faz parte da dinâmica natural do folclore e de tradições do tipo e não pode ser evitado. Mas, ressalta que a intolerância religiosa, principalmente advinda do cristianismo, acaba censurando e excluindo tradições de outras culturas, como costumes de religiões de matriz africana, benzedeiras e até mesmo técnicas culinárias.
Ele debate sobre como despertar o olhar para o folclore e aprender sobre ele empodera o conhecimento e muda a forma como tudo pode ser visto. Os costumes aprendidos das comunidades e famílias são importantes e têm seu lugar no mundo.
O pesquisador ressalta que a miscigenação criou o folclore único que o Brasil possui, mas não deve ser sempre romantizada, tendo em mente que muito das trocas culturais não foram voluntárias e ocorreram banhadas em sangue e violência.