Por Cultura Plural
Por Fabio Aníbal Goiris
O triunfo eleitoral de Elizabeth (PSD) demonstra o extraordinário poder da ideologia de direita em Ponta Grossa, enraizada inclusive nas camadas populares. Poucas vezes os analistas terão a oportunidade de classificar a direita – mesmo que para efeito didático – em três partes (Elizabeth, Mabel e Pauliki), que obtiveram 95% do total de votos, como ocorreu no primeiro turno. A esquerda representou uma fatia muito baixa do eleitorado local, alcançando, com os professores Gadini (PSOL) e Edson Silva (PT), apenas 5% dos votos. Comparativamente, nas previsões para o segundo turno, Guilherme Boulos (PSOL), em São Paulo, conseguiu expressivos 40% dos votos enquanto Manuela D’Ávila, do PC do B de Porto Alegre, alcançou 45% dos votos válidos.
Nesta nova tipologia política de Ponta Grossa, a primeira classificação da ideologia de direita corresponde àquela dita ancestral ou tradicional, ligada ainda aos grandes latifúndios e aos resquícios da aristocracia rural. A história mostra, não obstante, que este tipo de direita atávica, diferentemente do esperado, não se estagnou. Com a presença de Pedro Wosgrau, inicialmente, e depois com o deputado federal Sandro Alex e o próprio Marcelo Rangel, conseguiu, a partir de 2005, melhorar a imagem e o desempenho daquela direita clássica. Hoje, como resultado daquele processo, a professora Elizabeth (PSD) angariou, no primeiro turno, nada menos que 31,15% dos votos e, no segundo turno, com 52,38%, foi eleita Prefeita da cidade de Ponta Grossa. A primeira mulher a ser eleita prefeita em quase 200 anos de existência da cidade.
O segundo grupo é o da direita basculante, dita financeirizada. Esta corrente, embora pertença a inúmeros empresários (os donos dos meios de produção), não se declara como sendo conservadora. Paradoxalmente, tampouco se aproxima dos interesses das classes populares. Márcio Pauliki (Solidariedade), o candidato deste grupo, mostrou-se claudicante na tentativa de encontrar uma ‘terceira via’ (com acesso pela direita). Além de sucumbir no primeiro turno, não conseguiu transferir os votos dos seus eleitores para a candidata Mabel Canto. É preciso lembrar que o seu partido (Solidariedade) teria seus dirigentes advindos do movimento sindical brasileiro e alinhado às bandeiras dos trabalhadores e dos movimentos sociais. Mesmo sendo um candidato muito distante da sua ideologia partidária, este tipo de direita (de Pauliki) conseguiu, no entanto, expressivos 26,76% dos votos válidos. Este resultado demonstra a fortaleza eleitoral da direita.
A terceira corrente é mais complexa e diversificada em sua composição e ideologia, sendo representada pela deputada Mabel Canto (37,27% dos votos no primeiro turno). Há os que consideram esta vertente como sendo simplesmente de direita, visto que teria, por exemplo, algumas posições contrárias aos direitos dos trabalhadores (esta é a razão pela qual o PSOL não se aliou a ela). Representa, para outros, uma candidatura não-ideológica, de tipo populista (que já vem de uma matriz bem-sucedida chamada Jocelito Canto). Assim, Mabel incorporaria na sua candidatura elementos da democracia com um viés popular e cristão (como sugere o próprio nome do seu partido).
Não obstante, para alguns analistas políticos, a deputada Mabel Canto (com 47,62 % dos votos no segundo turno) representa uma corrente de centro direita, com um componente progressista e pragmático. A presença e o apoio do deputado federal Aliel Machado (PSB), outorga ao grupo de Mabel um reforço de tipo progressista e popular. O pragmatismo do grupo de Mabel, impregnado, no entanto, com alguns defeitos do fisiologismo (próprios de “centrão”), estaria na sua aliança à esquerda (com o PT e o PDT) passando por siglas mais conservadoras e de direita que vão do MDB (de Requião), o ‘Podemos’ (de Álvaro Dias) e chegando ao PP (de Ricardo Barros). Mas, tanto o apoio progressista como o pragmatismo, não foram suficientes para desmontar o monumental edifício atávico da direta tradicional e levar a candidata Mabel ao Palácio da Ronda.
É inevitável sugerir a seguinte pergunta: por quais razões a direita atávica em Ponta Grossa tem conseguido permanecer no poder por longo tempo? Historicamente, os diferentes estratos ou classes sociais sempre se caracterizaram por um predomínio da ideologia de direita. Desde 1823 a grande maioria dos políticos se alinhava aos latifundiários e aos beneficiados pelo sistema português das Sesmarias. Desde os anos 30, com o avanço político do liberalismo oligárquico, fortaleceu-se ainda mais aquela ideologia. Dos resquícios da aristocracia rural emergiram tanto o Coronelismo como também o governo de Getúlio Vargas (que visitou Ponta Grossa no dia 29 de janeiro de 1944 e cujas fotografias estão hoje no Hotel Planalto, onde ficou hospedado). Em pouco tempo, a cidade foi tomada pelas bandeirolas dos Integralistas e dos Nazistas, pela Igreja conservadora de Dom Geraldo Pellanda e pelo regime militar (1964-1985).
Assim, a ideologia de direita, em Ponta Grossa, caminhou tranquilamente por dois séculos, impondo sua hegemonia conservadora. Seus poucos entraves se reduzem à vitória para a Prefeitura, em 1996, de um político carismático e populista como Jocelito Canto e, no ano 2000, de um político de esquerda, articulado e coerente, como Péricles de Holleben Mello. Hoje, com a professora Elizabeth, a direita atávica emerge novamente no espectro da política ponta-grossense com todo o poder da máquina do Estado e dos seus políticos e dos seus partidos alinhados (PSD, PSDB, PV e Avante).
Por fim, mesmo com a consciência de que a vitória da professora Elizabeth representa a uma ideologia, localizada no espectro da direita (embora com aditamentos progressistas), não deixa de encarnar a esperança de que ocorra uma prática combinada de responsabilidade fiscal (uma relação equivalente entre dívida e arrecadação) e responsabilidade social (a garantia de direitos universais mínimos em saúde, educação e segurança). Surgiria, então, a expectativa popular de efetivamente incorporar os cidadãos às práticas sociais do capitalismo tardio. Se isto ocorrer, irá significar um acontecimento apoteótico da filosofia política.
*O autor é professor da UEPG, Mestre em Ciência Política pela UFRGS e realizou curso de pós-graduação em Sociologia Política na Universidade de Londres, Inglaterra.