Em entrevista, integrantes do Instituto Sorriso Negro trazem reflexões para o Dia da Consciência Negra
Por Ana Luiza Bertelli Dimbarre
O Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado em 20 de novembro. Essa data marca a luta, a força e a resistência do povo negro no país, desde o período da escravidão. O dia homenageia a morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, e tem como objetivo a conscientização a respeito das discriminações raciais em todo o Brasil.
Entidade que representa a cultura negra, o Instituto Sorriso Negro dos Campos Gerais surgiu em Ponta Grossa no dia 20 de novembro de 2008. Seus princípios são a integração e a defesa do povo negro e dos Povos Quilombolas da cidade. O Movimento de Conscientização da Raça Negra de Ponta Grossa nasce durante a década de 1990. É a partir dele que surge o Instituto e seus objetivos.
Dentre as atividades realizadas no Instituto estão as aulas de inglês e de artesanato. As produções realizadas, por crianças também, são vendidas para custear as despesas da sede do movimento. Há as reuniões de pautas, demandas e discussões. O movimento participa de bancas de cotas, apresentando formação para isso, e das políticas afirmativas da cidade e de Curitiba. Neste ano, devido à pandemia, um censo foi realizado sobre as famílias que estavam em vulnerabilidade social e cestas básicas foram distribuídas.
AS INTEGRANTES DO MOVIMENTO
Liz Angela Gonçalves Almeida é professora na rede municipal de ensino, coordenadora de projetos de leitura, atua na secretaria do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (COMPIR) e como coordenadora da equipe multidisciplinar. Liz conheceu o Instituto Sorriso Negro em 2015. Ela conta que ao trabalhar na Secretaria de Educação e com a equipe multidisciplinar, conheceu um dos fundadores do Sorriso Negro e foi a um encontro. “Fui a uma reunião e chorei. Eu tinha encontrado o meu lugar. Me senti em casa e sempre fui muito acolhida”, afirma. Ela também conta que foi convidada a participar da diretoria do projeto.
Cristiane de Fátima Zelenski é massoterapeuta e conheceu o Instituto Sorriso Negro em 2018. Ela relata que foi convidada para participar do Movimento das Mulheres Negras de Ponta Grossa e, ao fazer parte do movimento, foi chamada a uma reunião do Instituto. “Eu me encontrei. Achei o meu lugar de fala, eu estava em casa. A minha primeira reunião foi igual a da Liz, chorei e abracei todos. Parecia que eu já conhecia aquilo fazia muito tempo”, conta.
As integrantes do Instituto Sorriso Negro dos Campos Gerais, Cristiane e Liz, falam sobre a história e a presença da cultura negra na cidade de Ponta Grossa. Elas abordam também o trabalho da entidade e o que esperam para o dia 20.
Como vocês avaliam o histórico da cultura negra na cidade de Ponta Grossa e na região dos Campos Gerais?
Liz: Nós vemos um histórico que traz uma cultura, uma história, que não é visível, que não aparece durante o ano todo. Esse histórico só é discutido no mês de novembro, e isso que faz com que fique por não existir. O histórico que trazemos de muito tempo atrás, ele acaba sendo mascarado, ou às vezes, ele é contado de forma não verdadeira, sem nenhum benefício a nós.
Cris: Complemento o que a Liz está dizendo com as religiões africanas. Os terreiros aqui na cidade são escondidos, como se tivessem medo. E também o embranquecimento da cultura negra. A vergonha de não se revelar como negro, não pela cor e pelos traços. Mas a vergonha de não alcançar os espaços que você tenta. Não é dado espaço para ser negro de verdade aqui e em todo o país. Tentaram embranquecer uma cultura negra que é tão bonita.
Liz: Ou o tentar trazer para a cultura negra toda aquela maldade, como se fosse muito ruim. Quantos centros de religiões africanas foram atacados, e é por isso que eles se escondem. O histórico do negro em Ponta Grossa precisa aparecer. Precisa ser mostrado e respeitado.
E com relação à representatividade negra da cidade hoje em dia, qual a percepção que vocês têm?
Liz: Devido à forte branquitude, ficamos pensando e procurando representatividade. Quando olhamos cargos mais elevados aqui no município, e não conseguimos encontrar o irmão de cor. Quando vemos a luta do irmão de cor todos os dias, se doando para algo, e de repente não temos representantes negros no cargo eleitoral. E nem teremos, pois a população não escolheu. Quando se fala de representatividade, precisamos de representantes em todos os lugares. Que nossas crianças olhem para essas pessoas e possam se ver no futuro. Ter pessoas em lugares mais altos, elevados, em cargos de chefia que sejam representantes para nossas crianças. E tem que ter engajamento, militância para representar o povo negro.
Cris: Eu não me sinto representada. Eu entro em uma loja, e não vejo vendedoras negras ostentando seus cabelos black ou com turbante. Fiz uma visita em alguns salões aqui da cidade perguntando o que eles teriam para oferecer ao meu cabelo. Para uma mulher branca existem várias opções, mas para o meu eu não encontrei. Quando eu vejo profissionais negros é uma alegria para mim. Mas geralmente, quando têm profissionais negros, eles precisam ficar provando que são capazes de estar ali, mostrando que são aptos para realizar qualquer função, enquanto uma pessoa branca não precisa comprovar isso. É desgastante emocionalmente para a gente.
Essa semana tivemos o primeiro turno das eleições de 2020, no qual cinco candidatos concorreram à prefeitura de Ponta Grossa. Vocês perceberam, nos discursos dos candidatos ao longo do período eleitoral, ideias e propostas voltadas ao combate da discriminação racial?
Liz: Não.Infelizmente ainda é algo que não é discutido. Nós temos uma cidade em que 70% da população elegeu um presidente que se auto declarava racista. Eu fico muito preocupada com relação a isso, pois precisamos de políticas públicas que tragam momentos de dignidade ao povo negro. Nós temos aqui na cidade o Conselho de Promoção de Igualdade Racial. Esse Conselho foi constituído no atual governo do prefeito Marcelo Rangel, e foi muito difícil de ser instituído, precisávamos de sociedades civis organizadas. Tivemos inúmeros representantes de vários segmentos. A dificuldade de documentação, pois quando se torna burocrática uma luta necessária, ela acaba atrasando os processos. Precisamos de órgãos governamentais, e sofremos para que essas pessoas participassem do Conselho. Por que será que essas pessoas não apareciam? Isso não era importante para o município? Em que momento esse Conselho será importante aqui na cidade? Então é isso que me preocupa. Eu vi esperança quando conseguimos instaurar esse Conselho, apesar de todas as lutas. Não é ainda aquilo que esperamos e queremos, mas eu vejo esperança em fazer com que o Conselho seja ativo no município.
Cris: E esse é apenas um dos itens de luta. Já avançamos, mas ainda há muito para lutar. Nós temos esperanças. Curitiba, que é uma capital racista, elegeu a primeira vereadora negra. A primeira. Veja o atraso, mas elegeu.
Em 2020, O Black Lives Matter resultou em diversos protestos e manifestações em nível mundial depois do caso de George Floyd. Como vocês avaliam os protestos aqui na região? E houve a diminuição de casos de discriminação racial?
Liz: Aqui no município não teve força o movimento vidas negras importam. Quando aconteceu esse caso mundial, eu achei que as pessoas iam aparecer mais, engajar mais, mas não foi força total assim. E sobre o racismo eu acho que ele é velado, é todo escondido. Quantos são racistas e não se mostram na multidão.
Cris: E quando se mostram sempre se escondem em alguma brincadeira. Sobre os protestos, acredito que não teve nada aqui, até porque ficou naquela coisa do “mimimi”, e do sempre batendo na mesma tecla. Eu ouvi isso. George Floyd não teve a repercussão que gostaríamos que tivesse no Brasil. Aqui dentro temos inúmeros casos e que não ganham visibilidade, eu não entendo o motivo disso.
Hoje no Sorriso Negro existe um setor articulado e representativo de mulheres que vocês duas fazem parte. Quais causas vocês buscam atender e quais ações são realizadas?
Liz: Procuramos atender as demandas com relação às mulheres negras. Quando se fala de mulheres, há assuntos que os homens não podem discutir. Mas sempre estamos juntos. Até para fazer com que essas mulheres sintam interesse e queiram fazer parte do movimento negro. Hoje em dia o movimento tem um número maior de homens do que de mulheres, mas as mulheres têm seus lugares de fala ali dentro.
Cris: Temos o nosso espaço de fala dentro do movimento. Um dos fundadores do Instituto teve a ideia de capacitar mulheres da periferia, ensinando um artesanato para aprenderem e para a geração de renda. A preocupação era essa. O que prevalece é o conhecimento que elas adquirem.
Qual o momento mais marcante para cada uma desde que começou a participar mais ativamente no movimento?
Liz: Para mim foi quando participamos da Conferência para votação da diretoria do Conselho Estadual, em Curitiba. Saímos daqui da cidade, em muitas pessoas, e estávamos todos juntos. Eu olhava para o lado e via um irmão. Foi muito marcante. Como eu tenho dois momentos muito marcantes, o segundo é quando o Fórum de Educação foi implantado em Ponta Grossa. Sofremos muito para que tudo acontecesse da forma que queríamos e para que fluísse. Foi uma união muito forte do movimento. Saber que conseguimos trazer o Fórum e pessoas importantes para cá, é muito satisfatório e gratificante.
Cris: Eu participei ano passado de uma oficina de turbantes no Quilombo Rio do Meio. Para mim foi maravilhoso. Eu cheguei e a gratidão das pessoas sobre o movimento Sorriso Negro era enorme. Estar ali com essas pessoas foi muito importante.
Qual a importância do dia da Consciência Negra e o que se espera da cidade de Ponta Grossa para essa data, além de maior representatividade e ações juntamente do movimento negro?
Liz: Eu espero que, nessa data, a gente possa contar toda a nossa história. Ela é muito especial para nós. A questão do negro e do racismo precisa ser discutida o ano todo. Mas esse dia, em específico, precisa trazer esta discussão a todos os cantos e todas as pessoas. Sentimos o racismo na nossa pele, e isso não é apenas problema nosso, mas sim de todas as pessoas. A questão da sororidade entre as mulheres. Que elas entendam e compreendam o que a mulher negra passa. Se juntem a nós nessa luta. O povo negro deve ser chamado mais vezes para conversar, palestrar, realizar apresentações culturais, durante o ano todo. Acredito que dessa forma estaremos valorizando a cultura negra aqui no município.
Cris: Cada vez que eu vejo a frase do Morgan Freeman, dita em entrevista para a CBS News, ser repetida, me cansa. Pois ele diz que não deve existir só consciências negras, e sim consciências. Mas quando os índices me apontam que toda a violência é contra o povo negro, há de se existir sim o Dia da Consciência Negra. Eu quero usar meus símbolos, meus elementos culturais, meus guias, meu cabelo, sem ser motivo de riso. Eu quero que meus símbolos de resistência cultural sejam respeitados. Como a Liz disse, o perfeito seria que não fosse apenas nesse dia e no mês de novembro. O ideal seria que o ano todo, mulheres e homens negros fossem chamados para debater qualquer assunto, pois temos conteúdo para isso. Seria perfeito se isso acontecesse, mas estamos caminhando. A luta é brava, mas estamos andando para esse dia acontecer.
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